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AGRICULTURA
Um de seus projetos é criar uma espécie de "renda mínima" agrícola
Ministro "apartidário" quer lutar por pequeno produtor
CÍNTIA CARDOSO
DA REPORTAGEM LOCAL
O futuro ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, 60, se define como um ministro sem nenhum pendor partidário. "Não
tenho filiação partidária. Nunca
tive. Não tenho vocação para ser
político", afirma.
Segundo ele, essa "falta de vocação" permitiu que tivesse acesso
livre em todas as esferas partidárias. Foi secretário de Agricultura
de São Paulo durante o governo
de Luiz Antônio Fleury Filho e
ocupou uma função consultiva
no próprio Ministério da Agricultura entre 1988 e 1989, no governo
do presidente José Sarney. Rodrigues afirma que o seu apartidarismo declarado também conferiu
neutralidade para criticar o que
não considerava correto nos programas de governo dos candidatos à Presidência.
As suas propostas para o programa de governo, que ele afirmou ser muito bom, dizem respeito à ampliação de linhas de
crédito para pequenos e médios
produtores rurais e a criação de
um Renda Mínima rural para assegurar rendimentos em períodos
de problemas de produção. Porém, diante de um 2003 com pouca flexibilidade orçamentária, Rodrigues planeja que as alternativas à escassez de crédito estatal
venham de uma maior articulação dos próprios produtores e de
parcerias com bancos cooperativos estrangeiros.
Com relação à polêmica envolvendo irregularidades administrativas durante o governo Fleury,
o futuro ministro nega todas as
acusações. Em 1997, o futuro ministro teve seus bens bloqueados
pela Justiça em decorrência de
acusações de improbidade administrativa. Ele foi acusado de ter
participado de um conselho que
autorizou concessão de US$ 3,6
milhões em verbas públicas para
uma empresa fabricante de calçados que estaria à beira da falência.
Ele afirma, porém, que o fórum
que coordenava apenas autorizou
estudar as condições para o empréstimo.
Abaixo a entrevista concedida à
Folha por telefone.
Folha - Durante a campanha presidencial o senhor criticou os programas de governo para a área
agrícola de todos os candidatos ao
afirmar que eles traziam propostas
vazias. Quais as suas principais críticas ao programa do governo Lula
e que mudanças o senhor pretende
implementar?
Roberto Rodrigues - O programa
do governo é muito bom. A minha principal crítica, entretanto, é
que faltavam políticas de renda
rural definidas, sobretudo para o
pequeno produtor. A minha proposta para superar essa deficiência é a criação de uma espécie de
renda mínima rural. Com esses
recursos, os pequenos produtores
e os agricultores familiares, por
exemplo, teriam uma renda assegurada em ocasiões adversas, como durante períodos de quebra
de safra, queda da produção e outros como esses.
Folha - De onde viriam os recursos para esse programa?
Rodrigues - Uma parcela viria do
próprio Tesouro Nacional. Mas,
primeiramente, precisaríamos
definir quem serão os atendidos
pelo programa. Temos que traçar
o perfil do produtor por cultura e
por região do país, definindo
quais as prioridades e necessidades de cada um. Porém, para
2003, não há verba no Orçamento
para incluir esse projeto.
A outra fonte de recurso seria
uma tributação compensatória de
produtos agrícolas importados
que recebem subsídios no país de
origem. Essa é uma regra admitida pela OMC (Organização Mundial do Comércio) e de fácil implantação. A terceira fonte seria
um fundo arrecadado entre os
próprios produtores contemplados pelo programa.
Folha - A sua trajetória profissional tem sido ligada principalmente
ao cooperativismo agrícola. Como
essa característica vai estar presente na sua gestão?
Rodrigues - O cooperativismo é
o braço econômico da sociedade.
Um dos pontos principais da minha administração vai ser a expansão de linhas de crédito para o
setor cooperativo, especialmente
para as cooperativas de pequenos
e médios produtores. No Brasil,
hoje, só existem dois bancos cooperativos, o Bancicred e o Bancoop.
É preciso aumentar esse número e também a oferta de crédito
oferecida. Pretendo usar a experiência e os contatos que acumulei durante a minha gestão à frente
da OIC (Organização Internacional de Cooperativas) para trazer
investidores para o Brasil. Há
grande interesse dos principais
bancos cooperativos europeus de
fazerem parcerias com bancos
cooperativos de mercados emergentes, como o brasileiro, já que
na Europa não há mais espaço para expansão dessas instituições.
Se houver interesse dos bancos
cooperativos brasileiros, o ICBA
[órgão da OIC que reúne os mais
importantes bancos cooperativos
do mundo] pode servir como
ponte nas negociações entre eles e
as instituições estrangeiras.
Folha - Além da clara ênfase na
questão cooperativa, quais as linhas gerais da sua gestão no Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento?
Rodrigues - São três grandes caminhos. O primeiro é a busca de
políticas públicas que garantam
competitividade para os produtores. Nesse ponto é fundamental
priorizar a questão do seguro rural. O Brasil é o único entre os
grandes países produtores agrícolas que não tem uma política consolidada nessa área. O segundo é a
melhor organização das cadeias
produtivas, como a do milho e a
do leite, por exemplo, e por último a negociação internacional.
Folha - Nesse ponto, vários especialistas apontam o número ainda
insuficiente de negociadores e a
pouca experiência para tratar de
contenciosos agrícolas, por exemplo. Como o governo Lula pretende
lidar com esses assuntos, especialmente no âmbito da Alca (Área de
Livre Comércio das Américas)?
Rodrigues - De fato, as negociações do comércio exterior brasileiro precisam de mais coordenação. Na semana passada, ainda na
presidência da Abag [Associação
Brasileira de Agronegócio], foi
criado o Instituto de Comércio
Exterior Agrícola, em parceria
com várias entidades do setor
agrícola e com a Fiesp. O instituto
vai produzir periodicamente "position papers" para municiar os
negociadores brasileiros. O Ministério da Agricultura vai se articular melhor com o Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e com o Ministério das Relações Exteriores.
Com relação à Alca, a posição
do futuro governo é clara: queremos que a abertura se dê por meio
da agricultura. No dia 2 de janeiro, tenho um encontro agendado
com Robert Zoellick, secretário
de Comércio dos Estados Unidos,
e no final do mês, me encontro
com Pascal Lamy, comissário de
Comércio da União Européia. As
duas reuniões são para discutir
esses assuntos.
Folha - Ainda sobre a coordenação entre os ministérios, qual vai
ser a participação do Ministério da
Agricultura no programa Fome Zero?
Rodrigues - A nossa participação
ainda vai ser desenhada. A Conab
(Companhia Nacional de Abastecimento) vai fornecer os dados da
produção para a direção do Fome
Zero. A idéia inicial é casar a produção de alimentos básicos com
as necessidades do Fome Zero e o
fomento da produção da agricultura familiar.
Folha - Outra questão polêmica é
a adoção de transgênicos no Brasil.
Com a diminuição na área plantada
de milho, provavelmente haverá
necessidade de importação do produto. No entanto, os principais produtores- EUA e Argentina- cultivam transgênicos. Como resolver o
impasse?
Rodrigues - Nós não vamos importar milho transgênico. A prioridade é aumentar a produção de
produtos alternativos como sorgo, aveia, milheto para compensar a falta do produto.
Folha - Qual a sua posição na
questão dos transgênicos?
Rodrigues - Primeiro é importante que haja uma definição
científica da questão. Enquanto
não houver indícios que os transgênicos não representam perigo
para a saúde, para o ambiente etc.,
não se mexe na legislação. É preciso estudar também como o mercado internacional aceita esse
produto.
Se o prêmio pago para o produto convencional for maior, vamos
priorizar a manutenção da produção de não-transgênicos. Caso
sejam iguais, e se os transgênicos
forem de fato seguros, não há por
que não adotá-los.
Folha - Qual o legado da gestão
do seu antecessor [Marcus Vinicius
Pratini de Moraes"? Quais as suas
críticas? Os programas criados durante a gestão dele, como o Moderfrota, serão mantidos?
Rodrigues - Não tenho críticas.
Pratini fez uma gestão extraordinária. Pretendo não apenas manter o Moderfrota, como também
estendê-lo para a pequena atividade rural e para a agricultura familiar. Mas falta analisar se teremos recursos.
Colaborou José Sergio Osse,
da Reportagem Local
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