|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Berço da Vale enfrenta dias de incerteza
Responsável por 70% da economia da cidade de Itabira, em Minas Gerais, mineradora diminui número de funcionários
Sindicato local foi o único a recusar a oferta de corte da empresa de 50% no salário dos que forem colocados
em licença remunerada
AGNALDO BRITO
ENVIADO ESPECIAL A ITABIRA E IPATINGA
"Noventa por cento de ferro
nas calçadas. Oitenta por cento
de ferro nas almas." Itabira, cidade do poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)
e berço da Vale (110 km ao norte de Belo Horizonte), vive dias
de angústia e incertezas por
conta da crise global.
Um jogo de bola no fim de
uma quarta-feira sem perspectiva ajuda a dissipar as dúvidas
sobre o futuro. Mas no bairro
operário Novo Amazonas -de
onde se avista, portentoso, o
paredão do mais puro ferro tipo
exportação- não se fala em outra coisa. "E agora?"
Nem Flávio, nem Adeilson,
tampouco Geovani, força de
trabalho arregimentada na então próspera Itabira, reunidos
agora com outros colegas igualmente dispensados por força
da crise, sabem agora quando
as pedras do mais puro ferro de
Itabira lhes darão nova perspectiva de trabalho.
Talvez o mundo volte guloso
do minério das Minas Gerais,
talvez o jejum perdure mais
tempo. Como saber? A Vale já
dispensou 79 funcionários na
região, considerados ali a elite
da cidade do poeta. Mas o número do desemprego entre os
terceirizados ninguém sabe ao
certo. O sindicato de Itabira, o
Metabase, diz que mais de
2.000 trabalhadores que prestavam serviço na Vale foram
dispensados a partir de um direto comunicado.
Os boleiros do bairro Novo
Amazonas, a maioria soldadores de ofício, falam que só a empresa à qual pertenciam demitiu 800. "Fora as demais terceirizadas", diz Flávio Costa, um
dos que se preparavam para
deixar de ser um terceirizado e
se tornar um legítimo funcionário da Vale. Não só, mas também por isso, se preparava para
o casamento, em maio próximo. Por ora, a noiva, empregada, garante a data.
Flávio e todos os colegas foram tomados de surpresa pelo
revés da economia mundial,
que segue emburrada. A "pedra
de ferro, futuro aço do Brasil",
como disse Drummond no poema "Confidência do Itabirano",
ganhou projeção mundial. O
mineral extraído com força
bruta do chão duro de Itabira
viaja o mundo e é também parte do futuro aço chinês.
Mas o corte de 30 milhões de
toneladas de minério da produção anual da Vale, responsável
por 70% da economia local,
abalou a cidade de Drummond.
"Todos têm orgulho de trabalhar na Vale. Quem perdeu o
trabalho anda envergonhado,
está recluso. Tem esperança de
voltar", diz João Izael Querino
Coelho, prefeito de Itabira.
Voltar, aliás, é a única alternativa. A outra é deixar a cidade.
Quantos desempregados ainda virão? Ninguém sabe. Sob a
alegação de fim das demissões,
a Vale fez uma oferta polêmica:
corte de 50% no salário dos trabalhadores que forem colocados sob o regime de licença remunerada. Mas o berço da Vale,
representado pelo Metabase de
Itabira, disse não. Dos 7 sindicatos para os quais a Vale apresentou a proposta no país, 6
aceitaram o acordo coletivo. "É
ilegal e imoral essa oferta. Ademais, como maior companhia
privada do país, um acordo desse tipo significa a abertura de
um precedente sem igual", diz
Paulo Soares, presidente do
sindicato local. A atitude da direção sindical está longe de ser
confortável. Na sede do sindicato, ornado com uma imensa
faixa preta em sinal de luto, trabalhadores da Vale surgem a
todo momento em busca de
uma resposta sobre o futuro.
"Todo mundo está com receio
sobre o que vai acontecer", disse um funcionário que não quis
se identificar.
Irredutível, o sindicato apresenta seus argumentos. "Primeiro, que esse acordo é ilegal;
segundo, que o lucro que a Vale
anunciará nas próximas semanas dá a ela todas as condições
de assegurar, sem reduzir o salário de ninguém, estabilidade
aos trabalhadores; terceiro, que
o governo, com o poder de veto
de que dispõe, pode impedir
qualquer decisão contra os trabalhadores", repete Soares.
Além disso, o Metabase afirma que o acordo apresentado é
apenas uma promessa de estabilidade até 31 de maio. De fato,
não há qualquer menção literal
sobre "garantia de emprego".
Aliás, uma das cláusulas admite
a possibilidade de demissão no
período da licença.
A Vale refuta a acusação, diz
que está garantindo estabilidade até o fim de maio, embora o
acordo tenha validade para todo este ano. A companhia argumenta: "A Vale reafirma que
não irá demitir até o dia 31 de
maio nenhum empregado representado pelos sindicatos
que assinarem o acordo de licença remunerada". E acusa:
"O sindicato Metabase Itabira
se negou a negociar com a empresa e se recusa a submeter a
proposta à deliberação da categoria, se justificando com interpretações tendenciosas, atacando inclusive os sindicatos
que negociaram de boa-fé com
a empresa".
Sobre a tal cláusula, ela diz
ser "mais uma garantia de que o
empregado não será desligado
no período", sendo essa, "na
realidade, uma multa que onera a empresa em dobro e à vista,
caso venha a ser infringida".
O impasse está posto. A cidade "sem horizontes", como enxergou Drummond, vai reunindo gente sem trabalho, embora
a Vale diga que o saldo de 2008
"siga positivo" em 279. De novo, a contabilidade dos terceirizados não está aí. Na última segunda, mais nove trabalhadores da Vale foram dispensados.
E, diferentemente dos anteriores, sem qualquer benefício
adicional, como extensão por
seis meses do plano de saúde.
A falta de acordo só amplia o
impacto negativo sobre a economia da cidade, mas tampouco o corte de direitos trabalhistas parece ser grande alento.
No dia-a-dia da crise, o itabirano de Drummond, "triste, orgulhoso", precisa ser agora,
mais que tudo, 100% de ferro.
Texto Anterior: Roger Agnelli: Velocidade é o nome do jogo Próximo Texto: Frase Índice
|