São Paulo, domingo, 01 de fevereiro de 2009

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OMC receia que o livre comércio vá para a privada

Em vez de liberalização comercial, pressão protecionista avança em vários países, do aço nos EUA a subsídio para lácteos na Europa

DO ENVIADO ESPECIAL A DAVOS

O diretor-geral da Organização Mundial do Comércio, Pascal Lamy, disse ontem que o "comércio já é uma vítima da recessão" provocada pela crise global e manifestou o temor de que seja ainda mais atingido porque tem gente achando que "o livre comércio deveria ser jogado na privada junto com o Consenso de Washington".
Como bom francês, Lamy usou toalete em lugar de privada. Disse que jogar no lixo o livre comércio "seria um grande erro -não que o Consenso de Washington não tenha seus excessos, mas eles não estão na questão do comércio".
Consenso de Washington é a codificação de uma série de recomendações liberais em grande voga nos anos 90. Já haviam caído em certo desuso neste século, mas a crise acabou por torná-lo material arqueológico.
Que o livre comércio se tornou uma vítima da crise é uma constatação comum a Lamy e a ministros de vários países -entre eles o chanceler brasileiro Celso Amorim- que se reuniram ontem para a enésima tentativa de ressuscitar a Rodada Doha de liberalização comercial, lançada em 2001 e virtualmente estancada desde então.
Terminado o encontro, a anfitriã, Doris Leuthard, a ministra suíça de Economia, admitiu em comunicado no qual relata suas "conclusões pessoais": "Nós temos um problema de credibilidade porque continuamos discutindo os mesmos temas sem sermos capazes de concluir a Rodada Doha".
Pior: em vez de avançar na liberalização comercial, o que está havendo são ações protecionistas em diversos países.
A Câmara dos Representantes americana, por exemplo, enfiou no pacote de estímulo à economia proposto pelo presidente Barack Obama uma cláusula que proíbe comprar aço e ferro estrangeiros para as obras públicas a serem feitas com os recursos do pacote.
Lamy disse ontem que a iniciativa "não é terrivelmente dramática", mas não escondeu a torcida para que o Senado revise a cláusula.

Mais que um plano
Na Europa, há "mais que um plano", segundo o próprio Lamy, para conceder subsídios à exportação de lácteos. Cortar os subsídios à exportação foi um dos poucos itens na área agrícola em que já houve acordo nas negociações da Rodada Doha, mas para que passe a vigorar é preciso que todo o pacote esteja sacramentado.
Comentário de Lamy: "Trata-se de um sinal político que não é o correto".
Podem vir mais sinais políticos ou providências concretas, porque Doris Leuthard, em suas conclusões pessoais, afirma: "Cada um de nós está enfrentando pressão protecionista interna, e temos que resistir a ela".
A pressão protecionista foi relatada por vários dos presentes ao encontro, inclusive pela ministra francesa de Economia, Christine Lagarde, que aponta o protecionismo como um dos grandes riscos decorrentes da crise, ainda mais em um momento em que os governos despejam trilhões de dólares de dinheiro público em pacotes de estímulo e o crescimento está estancado.
Nessa situação, é lógico que os cidadãos cobrem proteção de seus governos.
O primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, já havia denunciado na véspera e repetiu ontem sua crítica ao que chama de "protecionismo financeiro" -o fato de que grandes bancos internacionais retiraram dinheiro de suas filiais nos mercados emergentes para cobrir as necessidades nas matrizes.
De todo modo, os ministros ontem reunidos mantiveram "o forte compromisso de finalizar a Rodada Doha", como diz a nota da ministra suíça. Mas ela própria admite que não basta, até porque tal compromisso já foi expresso mil vezes sem consequências -razão aliás do "problema de credibilidade" apontado por Leuthard.
Por isso, os ministros vão tentar organizar um encontro mais amplo, se possível antes da cúpula de abril do G20 e, sempre se possível, um segundo encontro aproveitando a tradicional reunião ministerial da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), em junho.
Se nada disso funcionar e Doha morrer ou entrar em hibernação prolongada, o ministro Celso Amorim antevê "um longo período de protecionismo em todo o mundo".


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