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OMC receia que o livre comércio vá para a privada
Em vez de liberalização comercial, pressão protecionista avança em vários países, do aço nos EUA a subsídio para lácteos na Europa
DO ENVIADO ESPECIAL A DAVOS
O diretor-geral da Organização Mundial do Comércio, Pascal Lamy, disse ontem que o
"comércio já é uma vítima da
recessão" provocada pela crise
global e manifestou o temor de
que seja ainda mais atingido
porque tem gente achando que
"o livre comércio deveria ser jogado na privada junto com o
Consenso de Washington".
Como bom francês, Lamy
usou toalete em lugar de privada. Disse que jogar no lixo o livre comércio "seria um grande
erro -não que o Consenso de
Washington não tenha seus excessos, mas eles não estão na
questão do comércio".
Consenso de Washington é a
codificação de uma série de recomendações liberais em grande voga nos anos 90. Já haviam
caído em certo desuso neste século, mas a crise acabou por
torná-lo material arqueológico.
Que o livre comércio se tornou uma vítima da crise é uma
constatação comum a Lamy e a
ministros de vários países -entre eles o chanceler brasileiro
Celso Amorim- que se reuniram ontem para a enésima tentativa de ressuscitar a Rodada
Doha de liberalização comercial, lançada em 2001 e virtualmente estancada desde então.
Terminado o encontro, a anfitriã, Doris Leuthard, a ministra suíça de Economia, admitiu
em comunicado no qual relata
suas "conclusões pessoais":
"Nós temos um problema de
credibilidade porque continuamos discutindo os mesmos temas sem sermos capazes de
concluir a Rodada Doha".
Pior: em vez de avançar na liberalização comercial, o que está havendo são ações protecionistas em diversos países.
A Câmara dos Representantes americana, por exemplo,
enfiou no pacote de estímulo à
economia proposto pelo presidente Barack Obama uma cláusula que proíbe comprar aço e
ferro estrangeiros para as obras
públicas a serem feitas com os
recursos do pacote.
Lamy disse ontem que a iniciativa "não é terrivelmente
dramática", mas não escondeu
a torcida para que o Senado revise a cláusula.
Mais que um plano
Na Europa, há "mais que um
plano", segundo o próprio
Lamy, para conceder subsídios
à exportação de lácteos. Cortar
os subsídios à exportação foi
um dos poucos itens na área
agrícola em que já houve acordo nas negociações da Rodada
Doha, mas para que passe a vigorar é preciso que todo o pacote esteja sacramentado.
Comentário de Lamy: "Trata-se de um sinal político que
não é o correto".
Podem vir mais sinais políticos ou providências concretas,
porque Doris Leuthard, em
suas conclusões pessoais, afirma: "Cada um de nós está enfrentando pressão protecionista interna, e temos que resistir
a ela".
A pressão protecionista foi
relatada por vários dos presentes ao encontro, inclusive pela
ministra francesa de Economia, Christine Lagarde, que
aponta o protecionismo como
um dos grandes riscos decorrentes da crise, ainda mais em
um momento em que os governos despejam trilhões de dólares de dinheiro público em pacotes de estímulo e o crescimento está estancado.
Nessa situação, é lógico que
os cidadãos cobrem proteção
de seus governos.
O primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, já havia denunciado na véspera e repetiu
ontem sua crítica ao que chama
de "protecionismo financeiro"
-o fato de que grandes bancos
internacionais retiraram dinheiro de suas filiais nos mercados emergentes para cobrir
as necessidades nas matrizes.
De todo modo, os ministros
ontem reunidos mantiveram
"o forte compromisso de finalizar a Rodada Doha", como diz a
nota da ministra suíça. Mas ela
própria admite que não basta,
até porque tal compromisso já
foi expresso mil vezes sem consequências -razão aliás do
"problema de credibilidade"
apontado por Leuthard.
Por isso, os ministros vão
tentar organizar um encontro
mais amplo, se possível antes
da cúpula de abril do G20 e,
sempre se possível, um segundo encontro aproveitando a
tradicional reunião ministerial
da OCDE (Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico), em junho.
Se nada disso funcionar e Doha morrer ou entrar em hibernação prolongada, o ministro
Celso Amorim antevê "um longo período de protecionismo
em todo o mundo".
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