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São Paulo, sábado, 01 de março de 2003

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LUÍS NASSIF

A encrenca do 1,9 GHz

Essa história de conceder à Vésper espaço na frequência de 1,9 GHz -conforme defendido pelo ministro das Comunicações, Miro Teixeira, e divulgado pela coluna- é uma encrenca maior do que parece à primeira vista.
Na privatização das telecomunicações, as "empresas-espelho" da telefonia fixa foram autorizadas a operar em sistema WLL (sistema celular fixo), na frequência de 1,9 GHz. A WLL é uma tecnologia que não exige investimentos em cabeamento. Só as "espelho" poderiam adotá-la, na fase inicial, para permitir competitividade aos entrantes.
GTV e Vésper entraram na disputa. A GTV se saiu bem, a Vésper adotou uma estratégia errada e quase fechou. Dos seus controladores iniciais, restou a Qualcomm, empresa norte-americana dona do padrão CDMA.
Nesse ínterim, houve intensa discussão sobre o padrão de telefonia de terceira geração a ser adotado pelo Brasil: se o CDMA, norte-americano da Qualcomm (denominado de CDMA 2000), ou o europeu GSM (de nome WCDMA). O CDMA opera praticamente apenas nos EUA; o GSM, no restante do mundo, abarcando 75% dos usuários de telefonia celular. O GSM é padrão aberto, o "Linux" da telefonia; o CDMA, padrão fechado, que proporciona à Qualcomm royalties de 15%.
Na Europa, reservou-se a frequência de 1,9 GHz para a terceira geração de celulares. Nos EUA, embaralhou-se o processo, pois essa faixa foi reservada para as Forças Armadas.
Voltemos à Vésper. Com problemas financeiros pesados, decidiu derivar para a telefonia móvel de alta velocidade. Depois de comprar as licenças em 1,8 GHz, solicitou autorização para operar em caráter secundário na própria faixa de 1,9 GHz, na qual opera o WLL, alegando pretender otimizar o uso dos equipamentos.
Concorrentes admitem que, se a questão fosse só essa, não haveria problema. O que se teme é que, por trás dessa tentativa, se escondam intenções mais amplas: a de tentar reverter a decisão brasileira de adotar o padrão aberto GSM.
A Vésper é considerada empresa com pouquíssima condição de competir verdadeiramente no mercado brasileiro, fixo ou celular. Sua proposta em nada aumenta a competição na telefonia fixa e amplia ainda mais a concorrência em uma área na qual a competição é ampla e irrestrita -a celular. Se se abre a exceção para ela, atrás poderão entrar pesos pesados, como a Americel, a TIM e a Brasil Telecom, com ações na Justiça invocando o princípio da isonomia -e essa é que poderia ser a estratégia da Qualcomm. Banca o prejuízo da Vésper como gazua para a entrada do padrão CDMA 2000 por meio das outras operadoras.
Há riscos de diversas naturezas. O primeiro é bagunçar totalmente o espectro de 1,9 GHz, quando a telefonia de terceira geração for implantada. O segundo é que o governo poderá entregar de graça frequências que poderão ser vendidas a preço alto. O terceiro é que causará insegurança ampla em todos as empresas -operadoras e fabricantes de equipamentos- que aceitaram as regras do jogo até agora.
Esses argumentos são de fabricantes de equipamentos europeus e de operadores de telefonia móvel. Obviamente precisam ser ponderados em qualquer avaliação sobre o tema.

E-mail - LNassif@uol.com.br


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