São Paulo, sexta-feira, 01 de abril de 2005

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TURBULÊNCIA

Alta de juros deve reduzir crédito a emergentes e pode gerar crise sistêmica, alerta Instituto para Finanças Internacionais

Banqueiros vêem ameaça à liquidez mundial

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MADRI

Os grandes banqueiros do mundo lançaram ontem um forte alerta, dirigido especialmente aos países em desenvolvimento, Brasil inclusive: a farra do dinheiro fácil está acabando.
A linguagem foi mais técnica e asséptica, mas o recado foi claro, na voz de William Rhodes, presidente do Citibank e veteraníssimo em lidar com os altos e baixos do movimento financeiro planetário:
"Parece improvável que possam continuar indefinidamente, em um ambiente de taxas de juros em alta, as condições atuais de liquidez recorde, acompanhadas de "spreads" baixos de forma recorde e da ausência de diferenciação entre tomadores de empréstimos", disse Rhodes na entrevista coletiva que abriu o encontro de primavera do IIF (Instituto para as Finanças Internacionais, o conglomerado de cerca de 340 dos grandes bancos mundiais).
O aviso não veio apenas no conteúdo, mas até na forma de lançá-lo: Rhodes primeiro deu as boas notícias, como a do aumento do fluxo de capitais aos países emergentes (leia texto na página seguinte). Depois, introduziu um "however" (entretanto) e deu-se ao trabalho de alertar os jornalistas para o que considerava as informações "realmente importantes". Foi só então que mencionou o fim da "liquidez recorde" (mais tarde falaria em "crise de liquidez"). Significa que tendem a secar os recursos que os emprestadores colocam nos países ditos emergentes.
Sinais da crise já estão presentes, segundo Rhodes: citou a alta dos juros nos EUA para 2,75%, há dez dias, e o aumento dos "spreads" (a diferença entre o que as instituições financeiras cobram para emprestar dinheiro e a que pagam para os investidores) nos mercados emergentes .
Esses dois movimentos sinalizam o fim do que Rhodes descreveu como "um mercado extraordinariamente bom para os tomadores de dinheiro e altamente competitivo e difícil para os emprestadores". Foi em parte nessa boa onda financeira que a economia brasileira navegou em 2004, para recuperar-se do crescimento zero do ano anterior.
O alerta de Rhodes foi crescendo: "Se essa tendência [aumento dos juros nos EUA e dos "spreads" nos emergentes] se acelerar e se a experiência do passado serve como guia, então o impacto nos mercados poderia ser substancial, e as economias mais vulneráveis poderiam doravante enfrentar significativos desafios", fechou.

E o Brasil?
O alerta serve para o Brasil? Sim, apesar de tanto Rhodes quanto Charles Dallara, o diretor-gerente do IIF, terem derramado elogios à política do governo Luiz Inácio Lula da Silva, como tem sido a praxe em encontros de banqueiros. Dallara disse que o fim da farra do dinheiro terá "efeito sistêmico e, portanto, não há como individualizar países".
Rhodes elogiou o "trabalho de primeira classe" feito pelo governo Lula na "implementação de reformas econômicas", mas não excluiu o Brasil do risco de crise. Para evitá-la, sugere "continuar e intensificar" as reformas, o clássico receituário ortodoxo para qualquer tipo de crise ou possibilidade de crise.
Só Roberto Setubal, presidente do grupo Itaú, tratou de diferenciar o quadro brasileiro da situação geral dos emergentes. Lembrou que o elevado nível das reservas brasileiras e o fato de o país estar trabalhando com câmbio flutuante tornam "os riscos bem menores do que no passado".
"O Brasil está muito menos vulnerável do que nos 20 anos anteriores e vai se ajustar sem maiores problemas ao novo cenário", disse o banqueiro brasileiro, durante a coletiva.
Depois, na conversa apenas com os jornalistas brasileiros que cobrem o encontro do IIF, Setubal admitiu que uma eventual crise de liquidez internacional afetaria o crescimento do país. "Poderia reduzi-lo dos 3,5% que estão sendo previstos para 3%", supôs.
Mas a desaceleração da economia não se transformaria, segundo ele, em uma "crise externa", diferentemente do que ocorreu na esteira da crise mexicana de 1994 e das crises asiáticas e russa de 1997/98. O câmbio era, então, semifixo e houve dramática perda de reservas, especialmente após a moratória russa, o que levou a uma intensa desvalorização do real.
Já Josef Ackerman, presidente do IIF e do Deutsche Bank, deu um tom fatalista à sua exposição, ao lembrar que, nos últimos 15 anos, houve "substancial volatilidade nos mercados emergentes", para emendar: "Houve períodos de crise e de crescimento, e não tenho dúvidas de que, em algum ponto do futuro, embora não possa adivinhar quando, seremos testados de novo".
Até o hiperpragmático Rhodes acabou filosofando: "Crises acontecerão. É parte da vida".


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