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TURBULÊNCIA
Alta de juros deve reduzir crédito a emergentes e pode gerar crise sistêmica, alerta Instituto para Finanças Internacionais
Banqueiros vêem ameaça à liquidez mundial
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MADRI
Os grandes banqueiros do mundo lançaram ontem um forte alerta, dirigido especialmente aos países em desenvolvimento, Brasil
inclusive: a farra do dinheiro fácil
está acabando.
A linguagem foi mais técnica e
asséptica, mas o recado foi claro,
na voz de William Rhodes, presidente do Citibank e veteraníssimo
em lidar com os altos e baixos do
movimento financeiro planetário:
"Parece improvável que possam
continuar indefinidamente, em
um ambiente de taxas de juros em
alta, as condições atuais de liquidez recorde, acompanhadas de
"spreads" baixos de forma recorde
e da ausência de diferenciação entre tomadores de empréstimos",
disse Rhodes na entrevista coletiva que abriu o encontro de primavera do IIF (Instituto para as Finanças Internacionais, o conglomerado de cerca de 340 dos grandes bancos mundiais).
O aviso não veio apenas no conteúdo, mas até na forma de lançá-lo: Rhodes primeiro deu as boas
notícias, como a do aumento do
fluxo de capitais aos países emergentes (leia texto na página seguinte). Depois, introduziu um
"however" (entretanto) e deu-se
ao trabalho de alertar os jornalistas para o que considerava as informações "realmente importantes". Foi só então que mencionou
o fim da "liquidez recorde" (mais
tarde falaria em "crise de liquidez"). Significa que tendem a secar os recursos que os emprestadores colocam nos países ditos
emergentes.
Sinais da crise já estão presentes, segundo Rhodes: citou a alta
dos juros nos EUA para 2,75%, há
dez dias, e o aumento dos
"spreads" (a diferença entre o que
as instituições financeiras cobram
para emprestar dinheiro e a que
pagam para os investidores) nos
mercados emergentes .
Esses dois movimentos sinalizam o fim do que Rhodes descreveu como "um mercado extraordinariamente bom para os tomadores de dinheiro e altamente
competitivo e difícil para os emprestadores". Foi em parte nessa
boa onda financeira que a economia brasileira navegou em 2004,
para recuperar-se do crescimento
zero do ano anterior.
O alerta de Rhodes foi crescendo: "Se essa tendência [aumento
dos juros nos EUA e dos "spreads"
nos emergentes] se acelerar e se a
experiência do passado serve como guia, então o impacto nos
mercados poderia ser substancial,
e as economias mais vulneráveis
poderiam doravante enfrentar
significativos desafios", fechou.
E o Brasil?
O alerta serve para o Brasil? Sim,
apesar de tanto Rhodes quanto
Charles Dallara, o diretor-gerente
do IIF, terem derramado elogios à
política do governo Luiz Inácio
Lula da Silva, como tem sido a
praxe em encontros de banqueiros. Dallara disse que o fim da farra do dinheiro terá "efeito sistêmico e, portanto, não há como individualizar países".
Rhodes elogiou o "trabalho de
primeira classe" feito pelo governo Lula na "implementação de reformas econômicas", mas não excluiu o Brasil do risco de crise. Para evitá-la, sugere "continuar e intensificar" as reformas, o clássico
receituário ortodoxo para qualquer tipo de crise ou possibilidade
de crise.
Só Roberto Setubal, presidente
do grupo Itaú, tratou de diferenciar o quadro brasileiro da situação geral dos emergentes. Lembrou que o elevado nível das reservas brasileiras e o fato de o país
estar trabalhando com câmbio
flutuante tornam "os riscos bem
menores do que no passado".
"O Brasil está muito menos vulnerável do que nos 20 anos anteriores e vai se ajustar sem maiores
problemas ao novo cenário", disse o banqueiro brasileiro, durante
a coletiva.
Depois, na conversa apenas
com os jornalistas brasileiros que
cobrem o encontro do IIF, Setubal
admitiu que uma eventual crise
de liquidez internacional afetaria
o crescimento do país. "Poderia
reduzi-lo dos 3,5% que estão sendo previstos para 3%", supôs.
Mas a desaceleração da economia não se transformaria, segundo ele, em uma "crise externa",
diferentemente do que ocorreu
na esteira da crise mexicana de
1994 e das crises asiáticas e russa
de 1997/98. O câmbio era, então,
semifixo e houve dramática perda
de reservas, especialmente após a
moratória russa, o que levou a
uma intensa desvalorização do
real.
Já Josef Ackerman, presidente
do IIF e do Deutsche Bank, deu
um tom fatalista à sua exposição,
ao lembrar que, nos últimos 15
anos, houve "substancial volatilidade nos mercados emergentes",
para emendar: "Houve períodos
de crise e de crescimento, e não tenho dúvidas de que, em algum
ponto do futuro, embora não possa adivinhar quando, seremos testados de novo".
Até o hiperpragmático Rhodes
acabou filosofando: "Crises acontecerão. É parte da vida".
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