São Paulo, terça-feira, 01 de maio de 2007

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VINICIUS TORRES FREIRE

Sr. Frias, história e temperamento


A independência da empresa jornalística, a têmpera liberal de Octavio Frias de Oliveira e a renovação do jornalismo

OCTAVIO FRIAS de Oliveira adquiriu esta Folha alguns dias depois de fazer 50 anos.
Era então um empresário experiente, que conhecera fracasso e sucessos, que empreendera em áreas tão diversas como finanças ou serviços. Mas dizia pouco saber do negócio jornalístico na época.
De resto, para o sr. Frias, como o chamamos nesta casa, o jornal seria uma empresa como tantas outras que fundara ou desenvolvera. Seria? Melhor dizer que, sim, o jornal acabou por ser uma empresa como qualquer empresa capitalista, embora de longe a de maior sucesso entre suas iniciativas.
Mas afirmar que o papel do sr. Frias na renovação do jornalismo brasileiro foi desenvolver um empreendimento jornalístico capaz de perpetuar-se de modo independente do favor político significa ignorar várias dimensões da atuação do empresário. Porém a intransigência na defesa da autonomia financeira, política e editorial da empresa, além de não ser norma na história dos jornais até os anos 60, criou a infra-estrutura que permitiu o experimento editorial da Folha a partir dos anos 70.
Mais, tal intransigência refletia muito do temperamento e, em parte, da formação de Octavio Frias de Oliveira. Para quem o conheceu, é difícil desembaraçar traços fortes da personalidade do sr. Frias daquelas que seriam algumas bases do projeto editorial da nova Folha.
Parece evidente que a modernização dos jornais acompanhou a modernização econômica e social do país, para o bem e para o mal, derivada do ciclo de desenvolvimento do final dos anos 60 e 70. A multiplicação de centros de poder tornou o país mais complexo e isso teve seu peso na diversificação de interesses políticos, mesmo entre a elite econômica.
O "aggiornamento" econômico, tecnológico e administrativo e a nova complexidade política e social engolfariam ou influenciariam decerto a atitude empresarial; também da empresa jornalística.
Mas, mesmo dadas as condições, é preciso que alguém trate de conduzir as mudanças na prática.
No caso da história do jornal brasileiro, sr. Frias foi o catalisador da mudança. Era um empresário "self made", avesso ou indiferente aos preconceitos tradicionais da elite que veio a pertencer por mérito individual, e não por recursos ou "capital social" herdados. Cético e muito pragmático, era, por assim dizer, psicológica e congenitamente liberal. Sr. Frias tinha um interesse genuíno pela opinião alheia e por fatos e inovação; tinha aversão a dogmatismos e a teorias gerais do universo. "Ouvir o outro lado", bordão de qualquer jornalismo profissional mas que se difundiu nestas terras com o Projeto Folha, era do seu temperamento.
Tal disposição de espírito, o gênio de depreender as conseqüências políticas, culturais e jornalísticas da nova configuração do país e a percepção de que a inovação editorial criaria uma nova marca no jornalismo (e, ressalte-se, a independência econômica da empresa) levaram o sr. Frias a reformular a Folha antes do projeto que seria formalizado, explicitado e acelerado nos anos 80 por seus filhos.
A Folha passou a publicar intelectuais e jornalistas banidos. Tornou-se um centro do debate político, mas adotaria a atitude até então quase excêntrica de ser um jornal apartidário, pluralista e crítico por meio da investigação jornalística.
A empresa e seu projeto editorial resultam desse encontro de vicissitudes históricas com a têmpera e o talento de um grande empresário inventivo e cidadão liberal de fato.

vinit@uol.com.br


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