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VINICIUS TORRES FREIRE
Sr. Frias, história e temperamento
A independência da empresa jornalística, a têmpera liberal de Octavio Frias de Oliveira e a renovação do jornalismo
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OCTAVIO FRIAS de Oliveira adquiriu esta Folha alguns
dias depois de fazer 50 anos.
Era então um empresário experiente, que conhecera fracasso e
sucessos, que empreendera em
áreas tão diversas como finanças
ou serviços. Mas dizia pouco saber
do negócio jornalístico na época.
De resto, para o sr. Frias, como o
chamamos nesta casa, o jornal seria uma empresa como tantas outras que fundara ou desenvolvera.
Seria? Melhor dizer que, sim, o jornal acabou por ser uma empresa
como qualquer empresa capitalista, embora de longe a de maior sucesso entre suas iniciativas.
Mas afirmar que o papel do sr.
Frias na renovação do jornalismo
brasileiro foi desenvolver um empreendimento jornalístico capaz
de perpetuar-se de modo independente do favor político significa ignorar várias dimensões da atuação
do empresário. Porém a intransigência na defesa da autonomia financeira, política e editorial da
empresa, além de não ser norma na
história dos jornais até os anos 60,
criou a infra-estrutura que permitiu o experimento editorial da Folha a partir dos anos 70.
Mais, tal intransigência refletia
muito do temperamento e, em parte, da formação de Octavio Frias de
Oliveira. Para quem o conheceu, é
difícil desembaraçar traços fortes
da personalidade do sr. Frias daquelas que seriam algumas bases
do projeto editorial da nova Folha.
Parece evidente que a modernização dos jornais acompanhou a
modernização econômica e social
do país, para o bem e para o mal,
derivada do ciclo de desenvolvimento do final dos anos 60 e 70. A
multiplicação de centros de poder
tornou o país mais complexo e isso
teve seu peso na diversificação de
interesses políticos, mesmo entre a
elite econômica.
O "aggiornamento" econômico,
tecnológico e administrativo e a
nova complexidade política e social engolfariam ou influenciariam
decerto a atitude empresarial;
também da empresa jornalística.
Mas, mesmo dadas as condições, é
preciso que alguém trate de conduzir as mudanças na prática.
No caso da história do jornal brasileiro, sr. Frias foi o catalisador da
mudança. Era um empresário "self
made", avesso ou indiferente aos
preconceitos tradicionais da elite
que veio a pertencer por mérito individual, e não por recursos ou "capital social" herdados. Cético e
muito pragmático, era, por assim
dizer, psicológica e congenitamente liberal. Sr. Frias tinha um interesse genuíno pela opinião alheia e
por fatos e inovação; tinha aversão
a dogmatismos e a teorias gerais do
universo. "Ouvir o outro lado",
bordão de qualquer jornalismo
profissional mas que se difundiu
nestas terras com o Projeto Folha,
era do seu temperamento.
Tal disposição de espírito, o gênio de depreender as conseqüências políticas, culturais e jornalísticas da nova configuração do país e
a percepção de que a inovação editorial criaria uma nova marca no
jornalismo (e, ressalte-se, a independência econômica da empresa)
levaram o sr. Frias a reformular a
Folha antes do projeto que seria
formalizado, explicitado e acelerado nos anos 80 por seus filhos.
A Folha passou a publicar intelectuais e jornalistas banidos. Tornou-se um centro do debate político, mas adotaria a atitude até então
quase excêntrica de ser um jornal
apartidário, pluralista e crítico por
meio da investigação jornalística.
A empresa e seu projeto editorial
resultam desse encontro de vicissitudes históricas com a têmpera e o
talento de um grande empresário
inventivo e cidadão liberal de fato.
vinit@uol.com.br
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