São Paulo, domingo, 01 de junho de 2008

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Lula entra na guerra mundial do etanol

Presidente vai a conferência em Roma para defender o álcool brasileiro como fonte de empregos na lavoura e como combustível limpo

Objetivo de Lula é mostrar que o produto brasileiro, ao contrário do americano, não contribui para a alta dos preços dos alimentos


CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A ROMA

O presidente Luís Inácio Lula da Silva entra terça-feira na batalha para evitar que seja satanizado o seu projeto mais ambicioso, o que ele chama de "revolução energética" a partir do etanol.
A primeira parte da batalha se dará em Roma, durante reunião de cúpula que ganhou um longo título: "Conferência de Alto Nível sobre a Segurança Alimentar Mundial - Os Desafios da Mudança Climática e da Bioenergia". Na prática, virou uma espécie de "Cúpula da Fome", porque a disparada do preço de alimentos criou o "perigo iminente de fome e desnutrição para 2 bilhões de pessoas que lutam para sobreviver ante o aumento dos preços", como diz Robert Zoellick, presidente do Banco Mundial.
O que o etanol tem a ver com a fome? Em tese, nada. Mas diferentes fontes e estudos apontam o álcool combustível como um dos responsáveis pela disparada dos preços. Exemplo: estudo do Banco Mundial chega a dizer que "65% do aumento nos preços de alimentos se deve aos biocombustíveis e a fatores relacionados com o rápido aumento na demanda por rações".
O FMI (Fundo Monetário Internacional) entrou na onda, ao dizer que a crescente produção de biocombustíveis é responsável por "parte significativa" do salto nos preços de commodities.
Por fim, o mais recente relatório, divulgado na quinta-feira em Paris, diz ter sido "decisiva" na crise alimentícia a demanda agrícola para elaboração de biocombustíveis. O estudo estende a culpa no tempo, ao dizer que um terço do aumento dos preços de alimentos nos próximos dez anos será por conta dos biocombustíveis.
A FAO (braço da ONU para alimentação e agricultura) é uma das instituições responsáveis pelo estudo e é também quem convocou o que virou "Cúpula da Fome" -e será em sua sede de Roma que Lula travará a batalha.
A demonização do etanol se deve, em grande medida, ao fato de que um deles (o etanol feito a partir do milho, caso dos Estados Unidos) é de fato um vilão. Mas o etanol de cana-de-açúcar (o brasileiro), não.
Os EUA usam o equivalente a 10% da produção mundial de milho para gerar etanol. Essa quantia equivale a duas safras brasileiras de milho e, como é óbvio, contribui para o aumento dos preços. Só no ano passado houve incremento de 37% no uso de milho para produzir etanol nos EUA.
O Brasil, ao contrário, não reduziu a produção de açúcar para fazer etanol. Nem vai, ao menos não por esse motivo, invadir a floresta amazônica para cultivos que gerem biocombustível. O ministro Reinhold Stephanes (Agricultura) afirma que o Brasil tem 90 milhões de hectares para incorporar à agricultura "sem a necessidade de derrubar nenhuma árvore na Amazônia".

Tecnologia e capitais
A batalha de Lula, no entanto, não se limita a defender o etanol brasileiro, cujos 21,5 bilhões de litros representam 70% do mercado mundial. O Brasil exporta 3,6 bilhões.
O problema é mais abrangente: o presidente brasileiro acredita que a aliança entre a tecnologia brasileira na área, reconhecida como a melhor do mundo, e capitais dos países ricos poderia disseminar plantações destinadas a biocombustíveis nos países mais pobres da América Central, do Caribe e da África, dando-lhes "no século 21 as oportunidades de desenvolvimento que não tiveram no século 20".
Foi com esse sentido que Lula assinou, no ano passado, memorandos de entendimento com as duas grandes potências do planeta (Estados Unidos e União Européia) em torno de parcerias estratégicas.
Depois disso, porém, começou a demonização do etanol. Se ela se consolidar no mais alto nível, como é toda conferência de cúpula, a revolução com que sonha Lula virará um pesadelo. Por isso, sua ênfase em Roma será a defesa do etanol em suas duas qualidades: como fonte de empregos na lavoura e como combustível limpo.
Em termos técnicos, o etanol tem balanço positivo em emissão de carbono, do plantio até o tanque do carro -a emissão de carbono para o plantio, para a colheita e para a produção da cana-de-açúcar e do etanol dela derivado é inferior à dos combustíveis fósseis (petróleo).
Pelas contas de Marcos Jank, presidente da Unica (União das Indústrias de Cana-de-Açúcar), a cana gera 8,3 unidades de energia renovável para cada unidade de combustível fóssil. É o melhor balanço encontrado até agora nas pesquisas. O etanol a partir do milho, de que os EUA são grandes produtores, gera apenas 1,3 unidade renovável para cada unidade fóssil.
Ganhando ou não a batalha em Roma, Lula partirá para uma segunda frente de combate, porque a reunião de cúpula do G8+5 (as oitos maiores potências e cinco grandes emergentes, entre eles o Brasil) também discutirá a inflação dos alimentos e a mudança climática. Será em julho, no Japão.


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