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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Espumas flutuantes
LUIZ GONZAGA BELLUZZO
A vulnerabilidade externa e a fragilidade fiscal que
hoje nos atormentam foram criadas por obra e graça das políticas
de câmbio valorizado e de juros
elevados empreendidas pelos sábios do governo Fernando Henrique Cardoso entre 1994 e 1999, a
pretexto de abrir a economia. Na
última semana, talvez até mesmo
os recalcitrantes tenham compreendido que as taxas de juros
-apesar do câmbio flexível- seguem prisioneiras das necessidades de financiamento do balanço
de pagamentos.
O chamado passivo externo líquido ganhou "momentum",
aproximando-se rapidamente
dos US$ 500 bilhões. Na cadência
do mesmo samba vêm crescendo
as frações da dívida pública mobiliária dolarizada e com juros
pós-fixados.
A boa nova é que a opinião
"soi-disant" bem informada, depois de algum tempo, percebeu o
tamanho da confusão: as criaturas do caipirismo globalizado não
só geram compromissos crescentes em moeda forte -inchando o
déficit em transações correntes-
como impedem a almejada estabilização do quociente entre a dívida interna e o PIB (Produto Interno Bruto), golpeando as finanças públicas. A má notícia é que
os financiadores potenciais parecem não estar dispostos a botar
mais dinheiro barato para fechar
os buracos.
Por isso o Copom tem de lidar,
em primeira e em última instâncias, com os humores que ora
guiam as decisões dos possuidores
de riqueza -tanto os de fora como os da casa, pouco importa.
Três são os demônios que infernizam a vida do dr. Armínio Fraga,
presidente do BC: o agravamento
da crise cambial, o crescente desequilíbrio financeiro do setor público e as dificuldades para manter a política de metas inflacionárias.
O leitor atilado há de ter percebido que uma coisa tem a ver com
a outra. A percepção de fragilidade do balanço de pagamentos estimula a demanda por dólares
-por motivo ou de precaução ou
de especulação-, o que suscita o
descontrole do câmbio e impõe a
alta dos juros. A ação da dupla
dinâmica -câmbio e juros- encarece o custo da dívida do governo e descarrila o comboio da inflação.
Numa economia hipotética,
sem relações com o exterior, a taxa de juros de curto prazo, manejada pelo banco central, seria a
pedra angular do sistema de provimento de liquidez para os negócios privados. Ela deveria exprimir a capacidade das autoridades monetárias de -alterando as
reservas do sistema bancário-
mudar as condições de liquidez,
isto é, a maior ou menor facilidade de negociação das dívidas e
dos ativos financeiros de distintos
prazos de maturação nos mercados secundários, de modo a afetar
o estado de espírito dos empresários em relação à venda de novos
títulos de dívida destinados a financiar a produção.
O êxito ou o fracasso das manobras do BC está submetido, como
é óbvio, ao estado de expectativas
dos possuidores de riqueza. Keynes considerava fundamental para o sucesso da política monetária
a divisão de opiniões entre "altistas" e "baixistas". Isso significa
que, quando a opinião dos mercados está dividida, não ocorrem
alterações no "lado monetário"
capazes de perturbar a trajetória
de equilíbrio da economia. Se, ao
contrário, as opiniões se concentram numa só direção, a ação do
BC pode não ser eficaz para estabilizar a economia. A experiência
japonesa recente, por exemplo,
mostra que não dá resultado baixar os juros quando o estado de
expectativas dos empresários ou
dos consumidores está muito deprimido.
Os bancos centrais nacionais
são também partícipes de um sistema universal e hierarquizado
de pagamentos e de liquidez. No
mundo de hoje, da liberalização
das contas de capital e da desregulamentação das finanças, temos duas situações distintas. Os
banqueiros centrais que administram moedas conversíveis
-aquelas que denominam em
grande escala as transações financeiras e de mercadorias no
mercado mundial- não precisam, dentro de certos limites, "esquentar a cabeça" com as flutuações entre suas moedas. Para elas
há sempre um "ponto de compra"
ou existem mercados de hedge líquidos e profundos, onde os agentes "comprados" e "vendidos" nas
distintas moedas podem buscar
proteção contra eventuais flutuações cambiais a um custo conveniente.
Já o resto da turma -o pessoal
que administra moedas inconversíveis- está obrigado, neste
mundo globalizado e de capitais
inquietos, a manter reservas elevadas em divisa forte e a produzir
excedentes comerciais de forma
permanente. Os bancos centrais
dos países de moeda inconversível, quando excessivamente expostos aos movimentos de capitais, dificilmente conseguem comandar a política monetária,
mesmo quando adotam regimes
cambiais mais flexíveis. Uma situação de fragilidade financeira
externa introduz um constrangimento grave no manejo das taxas
de juros domésticas.
Caso venha a ocorrer, como
vem ocorrendo agora, uma "polarização de opiniões" em torno da
trajetória do câmbio, a tentativa
de contrair a liquidez, mediante a
elevação das taxas de juros, pode
levar a flutuações pronunciadas
do nível de atividade, oscilações
nos preços dos ativos, sem necessariamente afetar o estado de expectativas quanto ao comportamento da inflação.
Luiz Gonzaga Belluzzo, 58, é professor
titular de Economia da Unicamp (Universidade de Campinas). Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos
do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia
do Estado de São Paulo (governo Quércia).
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