São Paulo, domingo, 01 de julho de 2001

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Especialistas apontam neoliberalismo de Menem como origem do problema


DO ENVIADO ESPECIAL A BUENOS AIRES

Das "frustrações em série" de que fala Aguinis em seu livro, a mais recente é a magia do neoliberalismo, que, nos dez anos de gestão do peronista Carlos Menem, mudou a face da Argentina.
Como no resto do mundo, privatizou, abriu, desregulamentou, enxugou o Estado. Fracassou?
Atilio Boron, secretário-executivo do Clacso (Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais), diz que sim. Conta que, no seminário comemorativo dos 50 anos do Fundo Monetário Internacional/Banco Mundial, passou de segunda a sexta-feira cobrando de cada um dos dez expositores um só exemplo de país que tivesse saído do desenvolvimento com as políticas ditas neoliberais.
"Não me deram um único exemplo", diz Boron.
Janina Onuki, pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da USP (Universidade de São Paulo), também aponta o fracasso do modelo e coloca o dedo na sua ferida mais dolorida:
"O modelo teve um limite (não previsto por seus formuladores), que foram o crescimento do índice de desemprego e um custo social altíssimo para todas as populações".
Na Argentina, os números de desemprego e pobreza são de fato eloquentes: quando foi introduzido, em 1991, o câmbio fixo, que foi a alavanca para derrotar a inflação, o desemprego era de apenas 7%. Mesmo com o forte crescimento econômico verificado até 1995, quando a crise mexicana derrubou a Argentina, o desemprego só aumentou, até chegar ao recorde de 18,4% em 1995.
Com a pobreza ocorreu a mesma coisa: os pobres eram 28,9% em 1991, na Grande Buenos Aires. A porcentagem era rigorosamente a mesma em outubro passado, a mais recente medição. Ou seja, nem a queda da inflação nem o crescimento econômico prévio à recessão dos 36 meses mais recentes foram capazes de diminuir a pobreza. Em número absolutos, até aumentou, como é lógico.

AL
Situação similar se produziu no Brasil e nos países latino-americanos que adotaram o modelo neoliberal. Não surpreende pois que, "do México à Argentina, do Equador à Colômbia, haja uma retração de teses quer foram muito fortes no início dos 90. Teses como a diminuição do papel do Estado e a idealização do setor privado. Essas certezas hoje são dúvidas", diz a consultora Graciela Römer.
Mas opiniões como as Graciela, Janina e Atilio Boron não representam a unanimidade entre os analistas.
Boa parte deles prefere apontar o dedo acusador, no caso argentino, para a conversibilidade, a paridade fixa entre dólar e peso desde abril de 1991.
"Há um problema de câmbio, mas não se pode vinculá-lo especificamente ao neoliberalismo, pois esse não proclama que regimes de câmbio fixo sejam parte da solução", diz Victor Bulmer-Thomas, especialista em América Latina do Royal Institute of International Affairs (Londres).
Reforça Francisco Panizza, da LSE (London School of Economics): "O principal problema argentino é a conversibilidade, que não é parte do modelo [neoliberal", como tampouco o é a má gestão fiscal dos últimos anos do governo Menem".

Dose de corrupção
Completa Robert Kaufman (Universidade de Columbia, Nova York): "Uma porção de outras coisas contribuíram para os problemas atuais, inclusive uma boa dose de corrupção no processo de privatização e muitas derrapagens nas políticas macroeconômicas depois de 1995".
Tudo somado, Kaufman diz que não usaria o caso da Argentina "para apressar o julgamento sobre as virtudes e fraquezas das políticas neoliberais".
Mesmo que fosse o caso de julgar e condenar o modelo, resta uma questão fundamental a ser respondida, pondera o sociólogo Rosendo Fraga: "Qual é a alternativa? O modelo não é uma imposição com o uso dos fuzileiros navais norte-americanos, mas um contrato de adesão. O problema é que o poder de negociação de países como Brasil e Argentina é baixo ou nulo".
Tudo somado, tem-se que, se o modelo neoliberal foi a mais recente frustração argentina, contribui para agravá-la ainda mais o fato de que não surgiu -ou não está clara qual- a alternativa para substitui-lo. (CR)








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