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São Paulo, terça-feira, 01 de julho de 2003

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Instituição internacional afirma que América Latina ainda não entrou em "círculo virtuoso" da confiabilidade

BIS alerta que ajuste fiscal tem que seguir

MARIA LUIZA ABBOTT
DE LONDRES

O ano passado foi o mais difícil para a América Latina desde a crise da dívida dos anos 1980, segundo o Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês), que prevê "modesta recuperação" no crescimento da região neste ano. Em seu relatório anual, o BIS diz que a questão principal para muitos países latino-americanos, inclusive o Brasil, é se o ajuste fiscal em andamento vai ser "suficiente para assegurar o retorno da confiança".
Segundo economistas do banco ouvidos pela Folha, para garantir isso, o Brasil deve continuar com a restrição fiscal, podendo vir a se beneficiar da entrada em um círculo virtuoso, com mais investimentos, mais crescimento, juros menores e menor dívida.
O relatório chama a atenção para a vulnerabilidade dos países que têm elevada dívida externa em comparação com as suas exportações. No Brasil, a dívida externa em 2002 representava 395% das exportações, uma das proporções mais altas entre os mercados emergentes.
Dos 14 examinados pelo BIS, só na Argentina essa relação supera a do Brasil. "Uma economia com a conta de capital aberta é, se tudo o mais for igual, mais vulnerável quanto maior for a proporção de sua dívida denominada em moeda estrangeira e menor a sua receita de exportações", diz o BIS.
Mesmo se boa parte da dívida externa for privada, segundo o banco, o seu tamanho é importante para a sustentabilidade da dívida pública, porque as dificuldades com o serviço desse débito podem afetar a taxa de câmbio e os custos de financiamento do governo. A percepção dessa sustentabilidade pelos mercados é essencial, como mostrou o aumento da taxa de risco do Brasil no ano passado.
"Preocupação com a capacidade ou a vontade de um país de servir sua dívida pode aumentar os juros ou depreciar a taxa de câmbio em tal medida que a dívida pode se tornar insustentável", avalia o banco, que diz ser esta a razão por que o Brasil e outros países da América Latina adotaram medidas para tranquilizar os investidores sobre seu compromisso com a consolidação fiscal.
A queda nos "spreads" (taxas de risco) cobrados dos papéis da dívida externa sugere "um grau de confiança" nas atuais políticas em alguns países, inclusive o Brasil, segundo economistas do banco ouvidos pela Folha.
Mas o relatório diz que a avaliação desses ajustes precisa ser feita levando em conta fatores como a inflação, a qualidade das receitas e a parcela de despesas que pode ser cortada. No caso do Brasil, por exemplo, a inflação ajudou a melhorar o superávit primário (receitas menos despesas para pagar juros), segundo o BIS, pois as receitas cresceram com o aumento nominal dos preços, mas as despesas não estão automaticamente indexadas. No entanto, se a inflação alta persistir, poderia haver a volta da indexação de gastos.
O BIS cita também o fato de que parte das receitas vem de impostos que provocam distorções e podem prejudicar o crescimento futuro da economia. Entre os exemplos, o relatório inclui a CPMF e o sistema de tributação indireta em cascata no Brasil. O terceiro fator é a dificuldade em cortar despesas em países com despesas rígidas, e o banco cita o Brasil, em que "os juros representam 18% do total das despesas".

Crédito
O crescimento da economia no Brasil - e em outros da América Latina- sofre com a baixa expansão do crédito. Segundo o BIS, a taxa real de juros (descontada a inflação) vem caindo no Brasil, mas ainda estava acima de 8% ao ano em abril de 2003. Mesmo assim, o crescimento do crédito estava em torno de 10% no país, abaixo da taxa de inflação.
O relatório baseia suas previsões para a economia brasileira neste ano nas estimativas de consenso no mercado: crescimento de 1,9%, inflação de 12,2% e déficit em conta corrente de 0,8% do PIB (Produto Interno Bruto). A desaceleração da economia no ano passado, na avaliação do banco, foi acentuada pela depreciação da taxa nominal de câmbio, que pode funcionar como um freio para a economia de países como os latino-americanos no curto prazo.
A queda do valor da moeda em relação a outras, como o dólar, aumenta o peso da dívida sobre os residentes no país que tomam emprestado no exterior, além de reduzir o poder de compra. Essas forças agem em direção oposta aos efeitos tradicionais de substituição comercial. A médio prazo, a depreciação da moeda pode estimular a economia, mas "só se a taxa real (descontada a inflação) de câmbio também se deprecia".


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