São Paulo, terça-feira, 01 de julho de 2008

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Para conter inflação, UE elevará juro na 5ª

Nos 12 meses até junho, índice subiu 4%, o dobro da meta oficial de cerca de 2%; juro do BCE deve ir 4% para 4,25%

O aumento na taxa de juros significa que o BCE resolveu encarar a inflação como o desafio principal, em vez da desaceleração econômica


Vincent Kessler/Reuters
Fila de caminhões na França, em protesto de caminhoneiros contra a alta do preço do petróleo

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA, EM PARIS

Nunca antes os preços em euros subiram tanto como nos 12 meses terminados ontem: a inflação na moeda adotada por 15 dos 27 países da União Européia bateu em 4%, a mais alta desde que as estatísticas começaram a ser coletadas, em 1997, o que torna inevitável a alta dos juros na reunião de quinta-feira do BCE (Banco Central Europeu).
Nos últimos 12 meses até maio, os preços já haviam subido 3,7%, mas o novo aumento é ainda mais significativo porque os 4% representam o dobro da meta oficial de "perto de 2%".
"É preocupante, muito preocupante", reagiu, previsivelmente, o comissário europeu para Economia e Finanças, o espanhol Joaquín Almunia. Agora, completou, "é preciso estar muito atento à resposta a dar a essa situação".
A alta dos juros, que deverão passar de 4% para 4,25%, significa que o BCE resolveu encarar a inflação como o desafio principal, em vez da desaceleração econômica, que também está machucando pesadamente alguns países europeus.
Os dois fenômenos justapostos explicam por que o usualmente cauteloso BIS (o banco central dos bancos centrais) tenha classificado de "talvez crítica" a situação econômica global.
A qualificação está longe de ser exagerada, até porque banqueiros centrais, quando exageram, o fazem na cautela, e nunca no alarmismo: de fato, a Europa e a maior parte dos países ricos enfrentam o que o jornal francês "Le Monde" chamou, no fim de semana, de "triplo choque", o das hipotecas "subprime", o da disparada de preços do petróleo e o do estouro da bolha imobiliária.
O primeiro dos choques, embora tenha explodido em agosto do ano passado, continua fazendo efeito diretamente no cotidiano: o jornal britânico "Guardian" anunciou ontem que 10 mil empregos serão cortados no setor de serviços financeiros, como conseqüência da erosão nos lucros de bancos e outras companhias do setor.
A bolha imobiliária também continua machucando e seus efeitos tendem a se prolongar no tempo: o Euríbor, o índice que determina os juros das hipotecas no setor, atingiu ontem, em Madri, 5,361%, o máximo histórico.
Significa que quem paga hipotecas arcará com incremento de 76 mensais, o que, por sua vez, tende a fazer aumentar a inadimplência e, por extensão, aprofundar a crise.

À beira do pânico
Quanto ao preço do petróleo, os franceses sentiram ontem um de seus efeitos, na forma de uma "operação escargô" dos caminhoneiros, que bloquearam parcialmente as estradas em cinco pontos de acesso a Paris. O nome da operação é uma alusão ao fato de que os escargôs movem-se a passo de lesma.
Para demonstrar que a crise está longe de ser um problema apenas europeu, os números referentes à economia dos Estados Unidos, sempre em relação ao custo do petróleo, são ainda mais eloqüentes: o total de quilômetros viajados em automóvel sofreu a queda mais abrupta desde 1949 e, neste ano, o consumo de gasolina cairá pela primeira vez em 17 anos, de acordo com dados coletados por Moisés Naïm, editor da revista "Foreign Policy".
É natural que empresários e autoridades -para não falar do público em geral- estejam à beira do pânico. Na França, Laurence Parisot, a presidente do Medef (Movimento das Empresas Francesas), resumiu a situação em dois pontos críticos: "Certos setores sofreram uma pane nas encomendas e outros têm dificuldades de tesouraria".
Traduzindo a linguagem de contadoria: há empresas que estão com dificuldades de caixa hoje, ao passo que outras empresas as terão no futuro imediato, já que recebem poucas encomendas.
Na Itália, é o presidente do banco central, Mario Draghi, quem diz: "A situação é crítica e se agravou no curso dos dez últimos dias".
Agravou-se tanto que organizações humanitárias avaliaram ontem que um quarto da população italiana enfrenta uma situação de "emergência alimentar" -o que é um número absolutamente espantoso para a sexta economia do planeta.
Nesse cenário, é igualmente lógico que as Bolsas de Valores sofram pesadas perdas, por mais que, ontem, a maioria das Bolsas européias tenha fechado em alta -modesta, mas alta.
Não bastou, no entanto, para disfarçar as colossais perdas no primeiro semestre: tanto a de Madri como a de Paris fecharam ontem 20% abaixo do nível que tinham no início do ano.


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