São Paulo, quinta-feira, 01 de agosto de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Triste fim de Fernando Henrique Cardoso

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

No início do século 20, Lima Barreto publicou o seu principal romance, "Triste Fim de Policarpo Quaresma". Hoje, alguém bem que poderia escrever todo um tratado sobre o "Triste Fim de Fernando Henrique Cardoso".
A diferença, evidentemente, é que o personagem de Lima Barreto era um patriota exacerbado. Fernando Henrique, ao contrário, não tem muita afinidade com o Brasil. É o típico representante de uma geração de políticos latino-americanos "globalizados", os procônsules da "Nova Roma".
Infelizmente, a "Nova Roma" tem o hábito desagradável de abandonar os seus procônsules à própria sorte. Enquanto lhes convém, os EUA usam e abusam de figuras como Carlos Menem, Alberto Fujimori ou Fernando Henrique Cardoso. Mas não os respeitam. E resolvem, às vezes, tratá-los a pontapés.
O exemplo mais recente desse comportamento foram as declarações de Paul O'Neill, secretário do Tesouro dos EUA, que está com visita marcada ao Brasil.
O'Neill escolheu o pior momento para sinalizar, mais uma vez, que tem restrições a apoiar financeiramente países como o Brasil e a Argentina. Em entrevista a um canal de TV nos EUA, O'Neill observou que o Brasil, a Argentina e o Uruguai precisam implementar políticas adequadas e evitar que os empréstimos externos recebidos "saiam simplesmente do país para contas bancárias na Suíça". Questionado se estava indo à América do Sul com uma oferta de assistência adicional do FMI, o secretário respondeu: "Não, não, não".
Os mercados financeiros entraram imediatamente em pânico. FHC pediu uma retratação e ameaçou não receber O'Neill. Depois, deu-se por satisfeito com alguns esclarecimentos e manifestações genéricas de apoio do governo dos EUA.
Uma encenação de quinta categoria. Convenhamos, leitor, desde quando procônsul pode se recusar a receber um emissário do Imperador?
Outro aspecto algo ridículo do episódio foi a virulência da reação de parte da imprensa brasileira. O pessoal perdeu a compostura e passou a insultar o secretário norte-americano.
Não há dúvida de que O'Neill poderia medir melhor as suas palavras. Os argentinos têm histórias a contar a esse respeito. Mas, francamente, por que imaginar que os EUA teriam, a essa altura, a obrigação de apoiar um empréstimo do FMI (mais um!) ao governo FHC? O Brasil recorreu ao FMI em 1998 e em 2001. Agora quer outro empréstimo para atravessar 2002 e parte do ano de 2003. Não estamos abusando um pouco?
A experiência da Argentina em 2001-2002 demonstra de forma clara que o ambiente em Washington mudou bastante. Tornou-se mais difícil negociar operações de emergência coordenadas pelo FMI. Países como o Brasil, dependentes de capital estrangeiro e financeiramente vulneráveis, atravessarão um período de grandes dificuldades. Os empréstimos, quando vierem, serão mais modestos. E as exigências, maiores.
Os jornalistas brasileiros fariam melhor se reservassem a sua indignação patriótica para o principal responsável pela situação em que nos encontramos: Fernando Henrique Cardoso. Afinal, as políticas econômicas adotadas nos últimos oito anos -sob aplauso, diga-se, de grande parte dos meios de comunicação nacionais- é que deixaram o Brasil à mercê das decisões, humores e preconceitos de Washington e Wall Street.


Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV- SP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela é..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
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