São Paulo, quarta-feira, 01 de setembro de 2004

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RETOMADA

Aumento do crédito e recuperação da renda fazem índice superar expectativa, mas falta de investimento preocupa

Consumo interno puxa alta de 4,2% do PIB

GABRIELA WOLTHERS
PEDRO SOARES
DA SUCURSAL DO RIO

A economia brasileira teve no primeiro semestre deste ano seu melhor desempenho desde 2000. O PIB (Produto Interno Bruto, soma das riquezas produzidas no país) cresceu 4,2% em relação ao mesmo período de 2003 e apresentou, pela primeira vez no ano, uma reação do mercado interno, segundo dados divulgados ontem pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Em relação ao primeiro trimestre deste ano, a expansão foi de 1,5%. Favorecido pela fraca base de comparação de 2003, ano muito ruim para a economia, o PIB do segundo trimestre de 2004 teve uma alta ainda maior em relação ao mesmo trimestre daquele ano: 5,7%, a maior taxa de crescimento trimestral desde o terceiro trimestre de 1996.
Em razão especialmente do melhor desempenho do setor de serviços -que cresceu 2,8% no semestre-, as taxas superaram as expectativas de analistas, que previam um crescimento de 3,4% a 5,3% em relação ao segundo trimestre de 2003. Na série trimestre contra trimestre anterior, grande parte apostava numa alta de apenas 1%.

Mais crédito e renda
Para o IBGE, o resultado é "bastante positivo" pelo fato de a expansão não estar mais sendo puxada somente pelas vendas ao mercado externo, que, ainda assim, subiram 17,8% no semestre. "O crescimento do PIB vinha sendo gerado pelas exportações, agora ele começa a se espalhar. Fica uma situação menos monopolizada", afirmou Roberto Olinto, gerente das Contas Nacionais do IBGE.
Aliado a esse "efeito multiplicador", ele ressalta dois outros fatores que contribuíram para o crescimento da economia: o aumento do crédito e, mais recentemente, o início da recuperação da renda média do trabalhador -que registrou em julho a primeira alta (2%) em relação ao mesmo mês do ano anterior desde que a comparação começou a ser feita pelo IBGE, em março de 2003.
Apesar disso, o rendimento real médio continua abaixo do recebido dois anos atrás. Em julho de 2002, ele chegava a R$ 1.056,64, contra R$ 901,20 em julho deste ano.
"Depois de muito tempo, há uma homogeneidade bastante grande entre o crescimento dos diversos setores, seja pelo lado da produção, seja pelo lado do consumo [as duas formas de mensurar o Produto Interno Bruto], disse Olinto.
O consumo das famílias, que representa 57% do PIB, aumentou 3,1% no semestre -a mais alta taxa desde o segundo semestre de 2001. Tal expansão também deve ser relativizada, em parte, por causa da base de comparação deprimida. No segundo semestre de 2003, as famílias consumiram 4,5% menos.
Especialistas ouvidos pela Folha dizem que os números apresentados pelo IBGE são positivos e até mesmo "surpreendentes" por sua magnitude. Ressaltam que, pela primeira vez, mostram uma reação "consistente" do mercado interno e dos chamados investimentos na aquisição de máquina e equipamentos e na construção civil, que teve expansão de 6,8% no semestre, a maior desde o segundo semestre de 2000.
"O resultado é bom. Mas o mais importante é que existem indicadores, como a produção de veículos, que mostram que a economia continua crescendo num ritmo acelerado", disse Francisco Pessoa, economista da consultoria LCA.
Para Alex Agostini, especialista da Global Invest, os novos dados do IBGE revelam que o "perfil e a dinâmica do crescimento está mudando, ganhando qualidade". Isso porque não está mais só baseado nas exportações, mas também no aumento do mercado interno.
Na visão de Estêvão Kopschitz, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), órgão do Ministério do Planejamento, o que desencadeou a recuperação do consumo interno foi mesmo a maior oferta de crédito com prazos mais longos. O crédito, disse Kopschitz, beneficiou primeiro a produção de bens duráveis -como veículos, móveis- e, por "contágio", acabou alavancando outros setores que fornecem para esse ramo.
Para Juan Pedro Jensen, da Tendências, a partir de agora o "padrão" será a demanda interna sustentar o crescimento do PIB, com aumento tanto do consumo das famílias quanto dos investimentos.
Por causa do resultado do segundo trimestre, o Ipea afirma que irá rever para cima sua projeção de 3,5% para o crescimento do PIB deste ano. A Global Invest já aumentou sua previsão de 3,9% para 4,2% de aumento. Pelos cálculos da LCA e da Global Invest, o crescimento do PIB anualizado (indicador muito usado nos Estados Unidos, que projeta o desempenho atual na taxa com ajuste sazonal para os próximos trimestres) seria de 6,1%.

Falta investimentos
Apesar do bom desempenho, ainda persistem dúvidas com relação a uma ritmo sustentado de crescimento, especialmente por causa dos investimentos.
Embora tenha registrado um crescimento elevado na comparação com o segundo trimestre de 2003 (11,7%), a Global Station destaca que os investimentos na taxa do trimestre contra trimestre anterior caíram pela segunda vez consecutiva, "o que confirma o receio de interrupção" da trajetória de crescimento sustentável.
Kopschitz revela o mesmo temor. Diz que nem o setor público nem o privado estão fazendo hoje os investimentos de infra-estrutura necessários para manter o atual nível de crescimento nos próximos anos.


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