São Paulo, sexta-feira, 01 de setembro de 2006

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VINICIUS TORRES FREIRE

A fantasia luliana do PIB

Governistas não temem desmoralização das profecias de crescimento porque, por ora, "país dos pobres" vai bem

NÃO SE ESPERA que um presidente diga que a economia do país que governa esteja à beira de tropeçar no brejo. Afora o irrealismo óbvio da expectativa, o pessimismo pode ser contagioso e contraproducente. Mas por que Lula não teme a desmoralização contínua de suas juras de crescimento?
Para atingir a meta luliana de crescer 4% neste ano, a economia precisaria acelerar, andar a uma velocidade quatro vezes maior que a do trimestre que passou. Não é impossível, embora muito improvável, e o problema nem é esse. Profecia sobre números de curtíssimo prazo, como o PIB trimestral, com minúcias obsessivas sobre décimos de porcentagem, é propaganda ou coisa pior.
Lula e ministros se entregam ao desfrute ignorante ou politiqueiro de fantasiar a numeralha econômica porque conhecem ao menos o eleitorado. Quem vai entender discussões sobre médio prazo, bens de capital e penetração de importações?
O eleitorado pobre vive por ora em um país estatístico em que a renda cresce muito. Problemas estruturais são uma abstração -por ora. O resultado do PIB foi muito ruim. Não implica desastre, mas indica que a economia enfrenta problemas nada triviais. A quantidade de importações cresce, o ritmo de aumento de exportações caiu a um quarto do que era havia um ano, por conta da invasão chinesa e do real forte: câmbio. O resultado do comércio exterior foi fator maior na queda do crescimento.
Mas o nível de investimento também caiu, de modo surpreendente. Tem sido volátil, o que indica razoável indecisão de empresários (afora a pressão do câmbio). Sobre o resto do ano, o resultado da indústria paulista em julho, que também saiu ontem, já prejudicou alguns otimismos para o terceiro trimestre. O chute menos temerário para o PIB do ano ora anda em torno de 3%.
Afora todos os defeitos crônicos da economia (impostos, dívida, burocracia e pouco comércio externo), tais problemas resultaram de ações deliberadas do governo, ainda que Lula fosse ignorante do alcance delas. A meta de inflação baixa demais, fixada em 2005, exigiu juros mais altos por mais tempo, o que encareceu o produto nacional. No curto prazo, ao menos, isso afeta a contribuição do comércio externo ao crescimento. O caso fica pior devido ao bem-sucedido plano chinês de tomar o mercado mundial de manufaturas.
O aumento do gasto corrente do governo Lula limita o investimento público. Inflação baixa e salário mínimo maior (que é gasto público) melhoram a vida do povo. A dita "demanda doméstica", em especial consumo privado e do governo, cresceu no semestre a uns 4%. Mas em troca de gastos e juros altos pode se estar destruindo indústrias, transferindo investimentos para o exterior e consumindo já o que poderia ser crescimento mais duradouro amanhã.
O problema político da economia é saber se Lula, reeleito, vai continuar a fantasia nutrida de populismo cambial "cum" bolsa-esmola, atualização do populismo tucano. Há três anos, diante dos metalúrgicos de São Bernardo, Lula prometeu o "espetáculo do crescimento".
Seu programa eleitoral agora diz que o "nome do segundo mandato será desenvolvimento". Como também o dizia FHC. Será uma maldição?


vinit@uol.com.br

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