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VINICIUS TORRES FREIRE
Classes numa eleição sem classe
Melhoria no bem-estar dos
mais pobres não explica a
eleição mais polarizada em
duas décadas de democracia
NENHUMA ELEIÇÃO presidencial foi tão polarizada como a
de 2006. Desde que o país
tornou-se uma democracia de massa, a partir de 89, jamais os votos dos
eleitores mais ou menos instruídos,
mais ou menos ricos, do Nordeste e
do Sudeste, foram tão diferentes como na disputa entre Lula da Silva e
Geraldo Alckmin. E após quase um
ano de campanha e pesquisas, a noção de que o voto de 2006 é polarizado parece senso comum, assim como sua explicação automática e clichê: "Bolsa-Família".
Mesmo se a explicação do contraste Lula-Alckmin pudesse ser
restrita à melhoria do nível de bem-estar social, o Bolsa-Família seria
coadjuvante. O programa atinge 11
milhões de famílias, uns 20 milhões
dos 125 milhões de eleitores.
Importa mais o aumento do poder
de compra do salário mínimo sob
Lula, de uns 45% (semelhante ao do
primeiro FHC, mas muito acima da
estagnação do segundo tucanato).
Isso equivale quase a dizer que aumentou nessa proporção o poder de
compra de cerca de 60% das pessoas
com renda. De resto, aumentos do
mínimo também reajustam os benefícios da Previdência, que respondem por 92% da renda social dos
brasileiros (a que não vem do trabalho nem de ganhos de capital).
A redução da taxa de miséria foi alta sob Lula, mas semelhante à da
transição do Real, que elegeu FHC.
O ritmo de queda da desigualdade
sob Lula foi um pouco superior ao
do primeiro FHC, mas o efeito real
desse indicador é imperceptível para o cidadão comum.
A diferença mais gritante na estatística é que, sob Lula, prosseguiu
estagnada ou cadente a renda do que
seria algo como uma classe média
(entre R$ 1.600 e R$ 3.200 mensais),
contra o crescimento "chinês" da
renda dos 30% mais pobres.
Números são sedutores, pois induzem o observador, animado com
sua objetividade, a parar de pensar.
Mas nada mais teria mudado na percepção social e política dos brasileiros em 21 anos de democracia?
Mudou. Há mais debate e difusão
de informações sobre a desigualdade. São 21 anos de organização livre
e de sedimentação de movimentos
políticos e sociais populares. A identidade política e social dos pobres se
transformou, algo notável em sinais
tão díspares como letras de "rap" e
lideranças populares que fazem
questão de marcar sua diferença em
relação a intelectuais e "elites".
Um ex-pobre tornou-se presidente com o compromisso político de
melhorar a vida do pobre, o que fez,
não importa aqui se de modo duradouro ou "populista". Lula ressalta
diferenças sociais. Mesmo demagogicamente, polariza o debate diante
de um público que não é a massa informe descrita nos velhos livros sobre populismo. Esse público, que conhecemos mal, faz um "voto de classe"? Tal idéia talvez esteja morta.
Mas uma nova rede de "identidades
pobres" influencia o voto no Brasil.
O governo Lula e seu aparelhismo
mafioso, de tendências autoritárias,
foi incapaz de promover inovação
institucional e de alterar a estrutura
conservadora da economia. Mas voto depende de interesses imediatos,
da percepção do cumprimento de
contratos políticos, de imagens do
que deve ser o país e da identidade
política do eleitor, e não de juízos intelectuais sobre políticas públicas.
vinit@uol.com.br
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