São Paulo, quarta-feira, 01 de outubro de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

A nostalgia da catástrofe


Em dias, país deixa otimismo abilolado e passa a ver sinais de crise ruim em números que já vinham em baixa faz meses

A GORA QUE a crise americana se tornou assunto "pop" e teve efeitos mais imediatos no Brasil, parece que se desatou uma nostalgia da catástrofe no país. Bastaram três semanas para que se fosse do otimismo abilolado para a ansiedade de ver prenúncios de ruína em qualquer indicador, dados porém ignorados até setembro.
Decerto houve novidades inquietantes no mês que passou. Empresas grandes e operacionalmente eficazes envolveram-se em engenharias cambiais funestas, que deram em baitas prejuízos. Houve a redução aguda do crédito que financia o comércio exterior. Embora o Banco Central não se tenha manifestado mais sobre o assunto (relaxando adicionalmente os controles de liquidez), ainda não se sabe se os bancos menores estavam sofrendo de risco de baixas excessivas nas margens de lucro, de aperto agudo mas transitório de linhas de crédito ou coisa pior. Mas o Brasil já sentia antes o efeito de juros mais altos e crise externa.
Desde março havia sinais de desaceleração, sinais suaves que são citados agora como evidência de trombada logo na esquina. O custo médio de captação de recursos no exterior, por exemplo, já dera um salto de fevereiro para março, segundo dados do BC. Mas o custo dos adiantamentos sobre contratos de câmbio (ACC, financiamento para a produção de exportáveis) e o dinheiro que as empresas obtinham via captações no exterior não variaram tanto assim desde então -até agosto, ao menos. As taxas médias de juros pelas quais os bancos captam recursos (para reemprestá-los) deu um salto em março, mas subiu de maneira mais comportada até agosto. O custo médio do crédito para a pessoa física (juros médios) crescia desde abril, quando o crédito para pessoas físicas começou a desacelerar. As pessoas parecem também mais preocupadas com suas aplicações financeiras, mostram dados da Anbid até 25 de setembro sobre fundos de investimento. Mas desde abril os fundos de investimento perdem recursos. O grosso do vazamento no ano se concentra compreensivelmente em fundos multimercado, abalados pela míngua da Bolsa.
A produção corria bem até julho, mas deixara de acelerar. Os dados sobre confiança empresarial divulgados ontem pelo Ibre da FGV indicam ligeira baixa, para o menor nível em quatro meses, mas estão em patamar historicamente alto. Setembro deve ter sido ruim, uma reedição piorada de março. Outubro pode ser muito pior. Mas o céu ainda não nos caiu sobre a cabeça.
A catástrofe americana obviamente vai transtornar essas tendências suaves de baixa na economia brasileira. Mas sabemos muito pouco do destino do desastre nos EUA. Com ou sem pacotão, haverá baixa econômica feia por lá. Com o pacotão, talvez soframos menos. Há decerto uma novidade imprevista, que é a crise de liquidez mundial ter transtornado parte do mercado financeiro daqui, embora tal problema possa ser atenuado com medidas tópicas -a não ser em caso de depressão nos EUA. Haverá baixa no comércio, no crédito e no investimento "produtivo" internacionais. Teremos de consumir menos -o governo deveria consumir menos ainda. Mas ainda não precisamos ter um surto de inveja da crise alheia.

vinit@uol.com.br



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