São Paulo, sábado, 01 de novembro de 2008

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ANÁLISE

Mudança de atitude do consumidor americano não podia vir em pior hora

PAUL KRUGMAN
DO "NEW YORK TIMES"

A tão esperada capitulação dos consumidores americanos chegou. Segundo o relatório do PIB (Produto Interno Bruto) dos EUA, o gasto real dos consumidores se retraiu no terceiro trimestre em 3,1% na taxa anualizada. O gasto real em bens duráveis (coisas como carros e TVs) se contraiu em 14% na taxa anualizada.
Para avaliar a importância desse número, você precisa saber que os consumidores americanos quase nunca cortam os seus gastos. A demanda dos consumidores continuou crescendo durante a recessão de 2001. A última vez que ela caiu foi em 1991 e por um único trimestre e não houve um declínio tão grande como o registrado no terceiro trimestre desde 1980, quando a economia estava sofrendo com uma recessão severa combinada com uma taxa de inflação de dois dígitos.
Além disso, esses dados são do terceiro trimestre -os meses de julho, agosto e setembro. Então, eles estão basicamente nos dizendo o que aconteceu antes do colapso de confiança que ocorreu após o pedido de concordata do banco de investimento Lehman Brothers, em 15 de setembro, sem falar na queda do índice Dow Jones, da Bolsa de Nova York, para abaixo dos 10 mil pontos. Esses dados muito menos mostram os efeitos plenos do corte agudo na disponibilidade de crédito ao consumidor, que ainda está em andamento.
Então isso se parece com o começo de uma grande transformação no comportamento do consumidor americano. E ela não poderia ter chegado em um momento pior.
É verdade que os consumidores americanos estão vivendo há bastante tempo além dos seus recursos. Em meados da década de 1980, eles poupavam 10% da sua renda. Ultimamente, no entanto, a taxa de poupança tem ficado geralmente abaixo de 2% -algumas vezes ela ficou até negativa- e a dívida dos consumidores subiu para 98% do PIB, o dobro do nível de 25 anos atrás.
Alguns economistas diziam para não nos preocuparmos porque os americanos compensavam suas dívidas com os valores sempre crescentes das suas casas e dos seus portfólios de ações. Por algum motivo, no entanto, não estamos ouvindo esse argumento ultimamente. Alguém é incitado a ecoar o pedido de santo Agostinho: "Dai-me a castidade, mas não ainda". Os consumidores estão reduzindo seus gastos no momento em que a economia americana caiu em uma armadilha de liquidez -uma situação em que o Fed (Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos) perdeu a sua força sobre a economia.
Um dos pontos altos do semestre, se você é professor de introdução macroeconômica, é a explicação de como a virtude pessoal pode ser o vício público, como as tentativas do consumidor de tentar fazer a coisa certa ao poupar mais pode deixar todo mundo pior. A questão é que, se os consumidores cortarem seus gastos (e nada entra no lugar desses gastos), a economia cairá em recessão, reduzindo a renda de todos.
Na realidade, a renda dos consumidor pode cair mais que o seu gasto, então essa tentativa de economizar fracassará.
Nesse momento, no entanto, o professor se apressa em explicar que a virtude não é realmente um vício: na prática, se os consumidores cortassem gastos, o Fed responderia reduzindo a taxa de juros, o que ajudaria a evitar a recessão e levaria a um aumento no investimento. Então a virtude é virtude no fim das contas, salvo se o banco central dos EUA não conseguir impedir a queda nos gastos do consumidor.
Eu aposto que você pode imaginar o que vem a seguir.
Estamos agora em uma armadilha de liquidez: o Fed perdeu a maior parte da força. É verdade que Ben Bernanke, o presidente do Fed, ainda não reduziu os juros até zero, como o Japão fez nos anos 1990, mas é difícil de acreditar que cortar a taxa de 1% para zero teria muitos efeitos positivos na economia. A crise financeira tornou a política do Fed em grande parte irrelevante para a maioria do setor privado. Apesar dos cortes freqüentes nos juros pelo Fed, as taxas de hipotecas que muitas empresas pagam estão hoje maiores do que eram no início do ano.
A capitulação do consumidor, por isso, chegou em um momento especialmente ruim. Mas ficar chorando não serve para nada. O que precisamos é de uma resposta política.
Os esforços que estão ocorrendo no momento para resgatar o sistema financeiro, ainda que funcione, não vai fazer mais do que suavizar um pouco o problema. Talvez alguns consumidores consigam manter seus cartões de crédito, mas, como já vimos, os americanos estavam estrangulados antes mesmo de os bancos começarem a cortá-los.
O que a economia precisa é de algo que entre no lugar dos limitados consumidores. Isso significa um grande estímulo fiscal. E agora esse estímulo deve vir na forma de gastos do governo, e não de restituições tributários em cheques que os consumidores provavelmente não vão gastar.
Vamos torcer para que o Congresso comece a trabalhar em um pacote tão logo terminem as eleições. E vamos torcer para que a administração de George W. Bush não fique no caminho.


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