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ANÁLISE
Mudança de atitude do consumidor americano não podia vir em pior hora
PAUL KRUGMAN
DO "NEW YORK TIMES"
A tão esperada capitulação
dos consumidores americanos
chegou. Segundo o relatório do
PIB (Produto Interno Bruto)
dos EUA, o gasto real dos consumidores se retraiu no terceiro trimestre em 3,1% na taxa
anualizada. O gasto real em
bens duráveis (coisas como carros e TVs) se contraiu em 14%
na taxa anualizada.
Para avaliar a importância
desse número, você precisa saber que os consumidores americanos quase nunca cortam os
seus gastos. A demanda dos
consumidores continuou crescendo durante a recessão de
2001. A última vez que ela caiu
foi em 1991 e por um único trimestre e não houve um declínio tão grande como o registrado no terceiro trimestre desde
1980, quando a economia estava sofrendo com uma recessão
severa combinada com uma taxa de inflação de dois dígitos.
Além disso, esses dados são
do terceiro trimestre -os meses de julho, agosto e setembro.
Então, eles estão basicamente
nos dizendo o que aconteceu
antes do colapso de confiança
que ocorreu após o pedido de
concordata do banco de investimento Lehman Brothers, em
15 de setembro, sem falar na
queda do índice Dow Jones, da
Bolsa de Nova York, para abaixo dos 10 mil pontos. Esses dados muito menos mostram os
efeitos plenos do corte agudo
na disponibilidade de crédito
ao consumidor, que ainda está
em andamento.
Então isso se parece com o
começo de uma grande transformação no comportamento
do consumidor americano. E
ela não poderia ter chegado em
um momento pior.
É verdade que os consumidores americanos estão vivendo
há bastante tempo além dos
seus recursos. Em meados da
década de 1980, eles poupavam
10% da sua renda. Ultimamente, no entanto, a taxa de poupança tem ficado geralmente
abaixo de 2% -algumas vezes
ela ficou até negativa- e a dívida dos consumidores subiu para 98% do PIB, o dobro do nível
de 25 anos atrás.
Alguns economistas diziam
para não nos preocuparmos
porque os americanos compensavam suas dívidas com os valores sempre crescentes das
suas casas e dos seus portfólios
de ações. Por algum motivo, no
entanto, não estamos ouvindo
esse argumento ultimamente.
Alguém é incitado a ecoar o pedido de santo Agostinho: "Dai-me a castidade, mas não ainda".
Os consumidores estão reduzindo seus gastos no momento
em que a economia americana
caiu em uma armadilha de liquidez -uma situação em que
o Fed (Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos)
perdeu a sua força sobre a economia.
Um dos pontos altos do semestre, se você é professor de
introdução macroeconômica, é
a explicação de como a virtude
pessoal pode ser o vício público, como as tentativas do consumidor de tentar fazer a coisa
certa ao poupar mais pode deixar todo mundo pior. A questão
é que, se os consumidores cortarem seus gastos (e nada entra
no lugar desses gastos), a economia cairá em recessão, reduzindo a renda de todos.
Na realidade, a renda dos
consumidor pode cair mais que
o seu gasto, então essa tentativa
de economizar fracassará.
Nesse momento, no entanto,
o professor se apressa em explicar que a virtude não é realmente um vício: na prática, se
os consumidores cortassem
gastos, o Fed responderia reduzindo a taxa de juros, o que ajudaria a evitar a recessão e levaria a um aumento no investimento. Então a virtude é virtude no fim das contas, salvo se o
banco central dos EUA não
conseguir impedir a queda nos
gastos do consumidor.
Eu aposto que você pode
imaginar o que vem a seguir.
Estamos agora em uma armadilha de liquidez: o Fed perdeu a maior parte da força. É
verdade que Ben Bernanke, o
presidente do Fed, ainda não
reduziu os juros até zero, como
o Japão fez nos anos 1990, mas
é difícil de acreditar que cortar
a taxa de 1% para zero teria
muitos efeitos positivos na economia. A crise financeira tornou a política do Fed em grande parte irrelevante para a
maioria do setor privado. Apesar dos cortes freqüentes nos
juros pelo Fed, as taxas de hipotecas que muitas empresas pagam estão hoje maiores do que
eram no início do ano.
A capitulação do consumidor, por isso, chegou em um
momento especialmente ruim.
Mas ficar chorando não serve
para nada. O que precisamos é
de uma resposta política.
Os esforços que estão ocorrendo no momento para resgatar o sistema financeiro, ainda
que funcione, não vai fazer
mais do que suavizar um pouco
o problema. Talvez alguns consumidores consigam manter
seus cartões de crédito, mas,
como já vimos, os americanos
estavam estrangulados antes
mesmo de os bancos começarem a cortá-los.
O que a economia precisa é
de algo que entre no lugar dos
limitados consumidores. Isso
significa um grande estímulo
fiscal. E agora esse estímulo deve vir na forma de gastos do governo, e não de restituições tributários em cheques que os
consumidores provavelmente
não vão gastar.
Vamos torcer para que o
Congresso comece a trabalhar
em um pacote tão logo terminem as eleições. E vamos torcer
para que a administração de
George W. Bush não fique no
caminho.
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