São Paulo, domingo, 01 de dezembro de 2002

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DÍVIDA PÚBLICA

BB, Bradesco, Itaú, Unibanco, ABN Amro e Banespa detêm 47% dos títulos do governo em poder dos bancos

Seis bancos dominam negócio da dívida

SANDRA BALBI
DA REPORTAGEM LOCAL

Os seis maiores bancos brasileiros têm em tesouraria R$ 132,7 bilhões em títulos públicos. Banco do Brasil, Bradesco, Itaú, Unibanco, ABN Amro e Banespa mantêm em seus cofres 47% do total de títulos do governo que os bancos mantêm em suas carteiras.
Esse papelório, que financia o caixa do governo pela taxa de juro real mais alta do planeta, rendeu àqueles bancos R$ 27,3 bilhões de janeiro a setembro, segundo dados colhidos pela ABM Consulting nos balanços do terceiro trimestre do ano.
Os ganhos com os juros pagos pelo governo no período, mostra o estudo preparado para a Folha, corresponderam a quatro vezes o lucro líquido dos seis bancos. Esses valores dão uma idéia da dependência dessas instituições em relação ao papel que vêm desempenhando na economia nos últimos anos: o de financiadoras número 1 do déficit público.
Se deslocada para o conjunto do sistema bancário, a lupa dos analistas da ABM mostra a intimidade da relação entre setor público e setor financeiro: 39% dos R$ 720 bilhões em títulos federais no mercado em setembro estavam nas tesourarias dos bancos.
Outros 33% lastreiam os fundos de investimentos onde a classe média aplica suas economias. Como quem administra esses produtos são os bancos, cobrando taxas médias de 2% ao ano sobre o patrimônio aplicado, essa parcela da dívida pública também rende ganhos ao sistema bancário.
Romper com essa delicada relação entre credor (bancos) e devedor (o Tesouro Nacional), é um dos grandes desafios do novo governo. Economistas, executivos financeiros e analistas de bancos ouvidos pela Folha afirmam que essa anomalia tem de cessar.
De agentes financiadores do governo, os bancos deverão tornar-se financiadores do desenvolvimento para que o país possa crescer, dizem. "Não tenho dúvida de que os bancos estão preparados para financiar a produção e a retomada do crescimento", diz o presidente da Febraban (Federação Brasileira dos Bancos), Gabriel Jorge Ferreira.

Poda no juro
Alberto Borges Matias, sócio-diretor da ABM Consulting, diz que o novo governo terá de começar a reduzir a taxa básica de juros, a Selic, já no próximo ano, trazendo-a de volta para o patamar em que estava antes das últimas altas. "Do contrário, a dívida entra em colapso e o país não cresce", diz.
Em setembro a Selic estava em 18% ao ano e, após os últimos aumentos determinados pelo Copom (Comitê de Política Monetária), do Banco Central, chegou a 22%. No mercado já se especula a possibilidade de nova alta, de um a dois pontos percentuais na próxima reunião do Copom, em dezembro.
Segundo Borges Matias, "dá para recuar a taxa básica no primeiro ano de governo de Luiz Inácio Lula da Silva, mesmo no quadro atual de inflação elevada". "O juro real deveria ir para 6% a 7% ao ano, está o dobro disso", diz. Com o IPCA acumulado em 7%, no ano, e o juro em 22% a taxa real é hoje de 15%. Nos países emergentes, a taxa média de juro real é 1,20% ao ano.
O sócio da KPMG, Marcelo Bessan, responsável pela área de bancos da auditoria, diz que a queda da taxa básica de juros reduziria a rentabilidade dos bancos, mas não arranharia a estabilidade do sistema. "Desde que isso ocorra em um cenário de crescimento econômico e superação do atual "soluço" inflacionário", diz Bessan.
Os bancos, diz ele, tiveram uma rentabilidade alta nos últimos anos e podem reduzir seus ganhos em 20% ao ano, sem maiores problemas. "Os banqueiros percebem que o atual modelo - de ficar ganhando em cima do financiamento da dívida pública- não se sustenta mais", diz Bessan.
Segundo o consultor, os grandes bancos se prepararam para a virada do modelo -buscar ganhos na concessão de crédito, mais do que no financiamento da dívida pública. "Nos últimos anos, eles aumentaram as linhas de financiamento ao setor privado e desenvolveram uma infra-estrutura que melhorou a qualidade do risco de crédito", diz.
Dados da ABM Consulting mostram que o volume total de crédito concedido à pessoa física, por exemplo, saltou de cerca de R$ 32 bilhões em janeiro de 1997, para R$ 75 bilhões em janeiro deste ano. Mas, na opinião de Matias, ainda é um volume baixo. "Os bancos têm ganho dinheiro na área de crédito mais com as taxas elevadas que cobram do que com volume de financiamentos."
Enquanto a rentabilidade média da carteira de crédito dos maiores bancos nacionais é de 32% ao ano, a média dos internacionais é de 11% ao ano, segundo ele. Por isso Matias diz acreditar que para que ocorra uma virada no sistema bancário, com redução de juros, os bancos terão de buscar novas fontes de receitas.
A outra fonte de receitas dos bancos são as tarifas de serviços. E o sistema recebeu um reforço: a TED (Transferência Eletrônica Disponível). Lançada em julho deste ano, a nova tarifa já atinge transferências (DOC ou cheques) de valor igual ou superior a R$ 5.000, que custam entre 0,038% a 0,2% do valor do documento. Mas a nova tarifa deverá atingir todas as transações bancárias no futuro, gerando novas receitas.


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