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ESPETÁCULO EM XEQUE
Paulo Leme diz que país tem de perseguir taxas de 7%
Para analista, crescer 4% é pouco
GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.
O economista Paulo Leme, 48,
da Goldman Sachs, acha que um
crescimento de 3,5% a 4% para a
economia em 2004 (como prevêem o governo e os analistas) será sem dúvida um bom resultado,
mas ainda longe de satisfazer as
necessidades do país. "Em vez de
nos satisfazermos com uma taxa
muito baixa, de 3,5%, o país tem
de redobrar os esforços para voltar a crescer a taxas de 7%", diz.
O economista aponta três caminhos para o Brasil voltar a crescer
a taxas de 7% ao ano: a liberalização geral do comércio, o aprofundamento das reformas da Previdência e tributária e a adoção de
reformas microeconômicas.
Folha - Qual é sua previsão para a
economia em 2004?
Paulo Leme - Vamos crescer
3,5%, um bom resultado, melhor
que zero, mas não devemos ficar
satisfeitos ou complacentes com
essa taxa. Trata-se de um número
muito pequeno. Em primeiro lugar, é muito abaixo da média histórica brasileira, acima de 5%.
Além disso, é menos da metade
da taxa de crescimento médio dos
países asiáticos, que estão crescendo entre 7% e 7,5%.
Mas mais importante ainda é
que uma taxa 3,5% não é suficiente para resolver problemas de desemprego, de distribuição de renda e de desigualdade social. Em
vez de nos satisfazermos com
uma taxa muito baixa, de 3,5%, o
país tem de redobrar os esforços
para voltar a crescer a taxas de
7%. Eu estou falando num processo de cinco a dez anos. Vai começar a acertar as bases, colocar
os alicerces em matérias de reformas sérias para poder almejar taxas maiores no futuro. A oportunidade é única.
Folha - O sr. acha que isso já poderia acontecer em 2004?
Leme - Não de forma sustentável. O crescimento pode ser maior
que 3,5%? Até pode ser. Eu até
não descartaria um número
maior, na faixa de 3,8% ou até
mesmo de 4%. O desafio é não só
manter a sustentabilidade desse
crescimento, mas, mais importante ainda, mirar taxas maiores.
O número de 4% ainda é muito
baixo para o Brasil.
Folha - A taxa de 7% seria ideal?
Leme - A taxa de crescimento
necessária para o PIB em dólares
dobrar a cada dez anos é de 7,5%.
O nosso PIB em dólares caiu, em
parte pela nossa taxa de câmbio,
mas, além disso, porque o crescimento da economia brasileira é
declinante. Desde 1980, a tendência do PIB é declinante. Isso leva à
deterioração da distribuição de
renda, ao aumento da desigualdade e, por sua vez, a tensões sociais
e ao aumento da criminalidade.
Folha - Como crescer a 7%?
Leme - Se eu tivesse uma lâmpada mágica e pudesse fazer só três
desejos para alcançar esse crescimento, eu faria os seguintes pedidos: em primeiro lugar, a abertura
comercial, de preferência com
acordos de integração comercial
com a Alca [Área de Livre Comércio das Américas] e com a União
Européia. A porta mais importante para o país dobrar o crescimento é o comércio internacional. A
orientação da nossa política comercial é equivocada, tende ainda
a ser uma economia fechada, com
ênfase no Mercosul, o que na minha opinião é um erro. Daí não virá crescimento, só volatilidade
econômica. Mesmo se o Brasil optar por uma abertura unilateral,
sem nenhuma concessão dos
EUA e da Europa, gerará mais
crescimento, como foi com Chile
e China. Enquanto a China triplicou seu PIB em dólares, o do Brasil caiu. Hoje, o PIB em dólares da
China é maior que o do Brasil.
Folha - Além da abertura comercial, quais os outros pedidos?
Leme - O segundo seria o de uma
consolidação fiscal. As reformas
que foram aprovadas no final do
ano passado são o primeiro passo
de uma maratona. Serão necessárias redução muito mais expressiva do déficit da Previdência e uma
reforma tributária que permita
redução da carga tributária e simplificação da estrutura tributária
para reduzir o custo de arrecadação. O terceiro desejo seria a liberalização da economia, voltar a
contar com o sistema livre de preços. Felizmente é uma idéia que o
[ministro da Fazenda] Palocci
tem ressaltado ao longo das últimas semanas, que são as reformas
microeconômicas. Seriam marco
regulatório mais claro, reforma
do Judiciário, a autonomia do
Banco Central, a conclusão da Lei
de Falências, a reforma trabalhista, a reforma sindical.
Folha - A queda dos juros não poderia ter sido mais agressiva?
Leme - Poderia, mas estamos
caindo num erro muito grave no
Brasil de olhar para o Banco Central e exigir dele a fonte de crescimento. O BC não é fonte de crescimento. Ele só controla variáveis
nominais e não as reais, muito
menos o crescimento.
Folha - O sr. acha que o Estado
tem que liderar essa nova fase de
crescimento?
Leme - A idéia de que o Estado
poderia ser a locomotiva do crescimento é errada. O Estado não é
uma "maria-fumaça" e, se for
uma "maria-fumaça", não tem
carvão na caldeira. A verdadeira
locomotiva é o setor privado.
Folha - O sr. vê risco de uma nova
frustração em 2004?
Leme - O ano de 2004 será talvez
o primeiro ano que vai apresentar
um certo nível de tranquilidade
no mundo desde 1998, quando a
Rússia quebrou. Essa janela de
oportunidade não vai ficar aberta
para sempre. Há riscos importantes no mundo que podem encurtar a longevidade dessa recuperação no Brasil. Um deles é a velocidade do crescimento nos EUA.
Quanto mais acelerado for esse
crescimento, maior será o risco de
o Federal Reserve começar a subir
as taxas de juros. Se isso acontecer, poderá prejudicar os países
emergentes, principalmente o
Brasil, que tem um volume de
vencimentos grande da dívida externa neste ano e necessita de financiamento externo.
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