São Paulo, sexta-feira, 02 de janeiro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ESPETÁCULO EM XEQUE

Paulo Leme diz que país tem de perseguir taxas de 7%

Para analista, crescer 4% é pouco

GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.

O economista Paulo Leme, 48, da Goldman Sachs, acha que um crescimento de 3,5% a 4% para a economia em 2004 (como prevêem o governo e os analistas) será sem dúvida um bom resultado, mas ainda longe de satisfazer as necessidades do país. "Em vez de nos satisfazermos com uma taxa muito baixa, de 3,5%, o país tem de redobrar os esforços para voltar a crescer a taxas de 7%", diz.
O economista aponta três caminhos para o Brasil voltar a crescer a taxas de 7% ao ano: a liberalização geral do comércio, o aprofundamento das reformas da Previdência e tributária e a adoção de reformas microeconômicas.
 
Folha - Qual é sua previsão para a economia em 2004?
Paulo Leme -
Vamos crescer 3,5%, um bom resultado, melhor que zero, mas não devemos ficar satisfeitos ou complacentes com essa taxa. Trata-se de um número muito pequeno. Em primeiro lugar, é muito abaixo da média histórica brasileira, acima de 5%. Além disso, é menos da metade da taxa de crescimento médio dos países asiáticos, que estão crescendo entre 7% e 7,5%.
Mas mais importante ainda é que uma taxa 3,5% não é suficiente para resolver problemas de desemprego, de distribuição de renda e de desigualdade social. Em vez de nos satisfazermos com uma taxa muito baixa, de 3,5%, o país tem de redobrar os esforços para voltar a crescer a taxas de 7%. Eu estou falando num processo de cinco a dez anos. Vai começar a acertar as bases, colocar os alicerces em matérias de reformas sérias para poder almejar taxas maiores no futuro. A oportunidade é única.

Folha - O sr. acha que isso já poderia acontecer em 2004?
Leme -
Não de forma sustentável. O crescimento pode ser maior que 3,5%? Até pode ser. Eu até não descartaria um número maior, na faixa de 3,8% ou até mesmo de 4%. O desafio é não só manter a sustentabilidade desse crescimento, mas, mais importante ainda, mirar taxas maiores. O número de 4% ainda é muito baixo para o Brasil.

Folha - A taxa de 7% seria ideal?
Leme -
A taxa de crescimento necessária para o PIB em dólares dobrar a cada dez anos é de 7,5%. O nosso PIB em dólares caiu, em parte pela nossa taxa de câmbio, mas, além disso, porque o crescimento da economia brasileira é declinante. Desde 1980, a tendência do PIB é declinante. Isso leva à deterioração da distribuição de renda, ao aumento da desigualdade e, por sua vez, a tensões sociais e ao aumento da criminalidade.

Folha - Como crescer a 7%?
Leme -
Se eu tivesse uma lâmpada mágica e pudesse fazer só três desejos para alcançar esse crescimento, eu faria os seguintes pedidos: em primeiro lugar, a abertura comercial, de preferência com acordos de integração comercial com a Alca [Área de Livre Comércio das Américas] e com a União Européia. A porta mais importante para o país dobrar o crescimento é o comércio internacional. A orientação da nossa política comercial é equivocada, tende ainda a ser uma economia fechada, com ênfase no Mercosul, o que na minha opinião é um erro. Daí não virá crescimento, só volatilidade econômica. Mesmo se o Brasil optar por uma abertura unilateral, sem nenhuma concessão dos EUA e da Europa, gerará mais crescimento, como foi com Chile e China. Enquanto a China triplicou seu PIB em dólares, o do Brasil caiu. Hoje, o PIB em dólares da China é maior que o do Brasil.

Folha - Além da abertura comercial, quais os outros pedidos?
Leme -
O segundo seria o de uma consolidação fiscal. As reformas que foram aprovadas no final do ano passado são o primeiro passo de uma maratona. Serão necessárias redução muito mais expressiva do déficit da Previdência e uma reforma tributária que permita redução da carga tributária e simplificação da estrutura tributária para reduzir o custo de arrecadação. O terceiro desejo seria a liberalização da economia, voltar a contar com o sistema livre de preços. Felizmente é uma idéia que o [ministro da Fazenda] Palocci tem ressaltado ao longo das últimas semanas, que são as reformas microeconômicas. Seriam marco regulatório mais claro, reforma do Judiciário, a autonomia do Banco Central, a conclusão da Lei de Falências, a reforma trabalhista, a reforma sindical.

Folha - A queda dos juros não poderia ter sido mais agressiva?
Leme -
Poderia, mas estamos caindo num erro muito grave no Brasil de olhar para o Banco Central e exigir dele a fonte de crescimento. O BC não é fonte de crescimento. Ele só controla variáveis nominais e não as reais, muito menos o crescimento.

Folha - O sr. acha que o Estado tem que liderar essa nova fase de crescimento?
Leme -
A idéia de que o Estado poderia ser a locomotiva do crescimento é errada. O Estado não é uma "maria-fumaça" e, se for uma "maria-fumaça", não tem carvão na caldeira. A verdadeira locomotiva é o setor privado.

Folha - O sr. vê risco de uma nova frustração em 2004?
Leme -
O ano de 2004 será talvez o primeiro ano que vai apresentar um certo nível de tranquilidade no mundo desde 1998, quando a Rússia quebrou. Essa janela de oportunidade não vai ficar aberta para sempre. Há riscos importantes no mundo que podem encurtar a longevidade dessa recuperação no Brasil. Um deles é a velocidade do crescimento nos EUA. Quanto mais acelerado for esse crescimento, maior será o risco de o Federal Reserve começar a subir as taxas de juros. Se isso acontecer, poderá prejudicar os países emergentes, principalmente o Brasil, que tem um volume de vencimentos grande da dívida externa neste ano e necessita de financiamento externo.



Texto Anterior: Opinião Econômica - Ruy Martins Altenfelder Silva: Inclusão cultural
Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.