São Paulo, sexta-feira, 02 de janeiro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUÍS NASSIF

Uma geração castrada

Em 1999, em um encontro do "World Economic Forum", em Santiago do Chile, o economista brasileiro Winston Fristch declarou, em alto e bom som, que uma desvalorização cambial não implicaria volta da inflação. Nada surpreendente se, de 1994 a 1998, ele não tivesse sido um dos ativos membros do coro "se desvalorizar explode tudo". O que ocorreu entre um momento e outro? Antes, Fristch sustentava que a desvalorização cambial trazia inflação com base na experiência isolada de um país asiático submetido à fuga de capitais. Depois, garantia que não havia risco de inflação por conta da experiência brasileira.
Lendo-se o trabalho de Gustavo Franco e de Demosthenes Madureira de Pinho acerca das discussões internacionais sobre liberalização cambial, percebem-se claramente os vícios do pensamento acadêmico e a mediocrização da análise econômica em nível mundial para avaliar economias emergentes, como a brasileira.
As ciências econômicas sempre padeceram de um complexo de inferioridade patente em relação às ciências exatas pela dificuldade de definir regras universais. Até algum tempo atrás, havia poucos modelos de economia a serem analisados. Com a explosão da economia mundial nos últimos 50 anos, com mais e mais países se industrializando, dando certo ou quebrando a cara, a amostragem aumentou substancialmente. O pensamento econômico acadêmico passou, então, a se valer da análise comparativa, do uso indiscriminado da estatística, ou usando o padrão Fristch -tomar a última experiência como a definitiva, para criar uma ciência "exata".
Em um trabalho de 1997, o economista Dionísio Carneiro avaliava que "a rapidez dos cálculos, permitida pelo aumento da velocidade de processamento dos computadores, piorou a comunicação de idéias simples em vez de melhorá-la, pois permitiu a um número crescente de colegas derivar rapidamente implicações empíricas de modelos que jamais entenderam, estimados por métodos que jamais entenderão, usando bases de dados que desconhecem".
A primeira distorção desse uso acrítico da estatística foi a tentativa de universalizar as experiências sem estabelecer relações causais adequadas. Como a tese de que, como todos os países que deram certo liberalizaram suas contas de capital, logo bastaria liberalizar para dar certo. O trabalho de Franco e de Madureira de Pinho relata que levou anos para que se constatasse que os países que liberalizaram suas contas de capital foram os que deram certo antes.
A segunda distorção foi a incrível incapacidade de prevenir desastres óbvios do modelo, por não conseguir avançar além do inventário a posteriori. O establishment acadêmico mundial mudou a maneira de pensar, brilhantes pensadores, com acesso às últimas análises acadêmicas, só a partir de 1998 começaram a identificar problemas que, em 1994 e em 1995, no início do processo, já eram apontados no Brasil por analistas independentes, através da mera observação da realidade.
O que de mais nefasto esse pensamento produziu foi ter castrado a capacidade analítica de toda uma geração de economistas e igualado economistas brilhantes a meros marqueteiros.


E-mail - Luisnassif@uol.com.br


Texto Anterior: Frase
Próximo Texto: Panorâmica - Guerra comercial: Camarão do Brasil corre risco nos EUA
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.