São Paulo, terça-feira, 02 de janeiro de 2007

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Maior siderúrgica do mundo surgiu do zero

Empresa do indiano Lakshmi Mittal tem faturamento superior a US$ 80 bilhões e 330 mil funcionários em 60 países

Em meados do ano passado, Mittal, quinta pessoa mais rica do mundo, adquiriu a européia Arcelor, em um negócio de US$ 35,5 bilhões

Vladimir Weiss - 12.out.06/Bloomberg News
Trabalhador de usina da Mittal Steel em Ostrava, na República Tcheca; companhia de magnata indiano foi criada na década de 70


PETER MARSH
DO "FINANCIAL TIMES"

Lakshmi Mittal está passando o Natal em sua casa de férias em St. Moritz, nos Alpes suíços, para desfrutar seu último passatempo: esqui cross-country. O empresário de 56 anos acredita que a versão do esporte em que se desce a montanha é para "preguiçosos" e prefere se impulsionar morro acima.
Os que conhecem o tubarão do aço indiano não esperariam nada diferente. Nos últimos 30 anos, ele montou a partir do zero a maior siderúrgica do mundo, cuja produção é o triplo da de sua rival mais próxima. Ele se tornou a quinta pessoa mais rica do mundo, com uma fortuna estimada em US$ 23,5 bilhões pela revista "Forbes".
O ponto alto foi a aquisição pela Mittal Steel em junho, por US$ 35,5 bilhões, da Arcelor, de longe o maior e mais difícil negócio de Mittal até hoje. A proposta inicial foi seguida por uma guerra verbal de cinco meses entre Mittal e a direção da Arcelor, que era totalmente contrária à transação, e uma série de políticos europeus que alegavam que o negócio causaria demissões e destruiria um "campeão da indústria européia". Mittal venceu.
Sua vitória levou à criação da Arcelor Mittal, da qual ele é o principal executivo e o maior acionista, com participação de 45%. A companhia tem vendas anuais superiores a US$ 80 bilhões e 330 mil funcionários em 60 países, com usinas em cinco continentes. É um colosso numa indústria que recentemente era considerada um setor envelhecido, no "ocaso". A siderurgia havia caído em tempos difíceis, uma reversão era tida como quase impossível.
Mittal foi praticamente a única pessoa do ramo a perceber que as receitas poderiam aumentar por meio de um processo de consolidação para produzir companhias maiores, com maior capacidade de impor preços aos clientes. A maior parte do império foi construída nas décadas de 80 e 90, com Mittal adquirindo aciarias em dificuldades em países como Trinidad e Tobago, Cazaquistão e México e transformando-as em empresas rentáveis. Ao mesmo tempo, ele emprestou técnicas de setores mais bem-sucedidos, como o químico e o automobilístico, para aumentar a qualidade e cortar custos.

Controvérsias
A natureza de seu negócio colocou Mittal em contato com governos de todo o mundo, e suas interações com eles provocaram certa controvérsia. Em 2001, por exemplo, ele fez uma doação de 125 mil libras para o Partido Trabalhista, de Tony Blair, mais ou menos na época em que o premiê britânico escreveu para o governo romeno apoiando a proposta de Mittal para assumir a Sidex, uma grande usina estatal.
Mittal doou mais 2 milhões de libras para os trabalhistas no ano passado, mas não se envolveu em nenhum dos recentes escândalos ligados a dinheiro na política britânica. O indiano sempre disse que sua doação para Blair em 2001 não tinha relação com o negócio da Sidex.
Mittal também é próximo de Nursultan Nazarbayev, o ditador do Cazaquistão, que é acusado de violação de direitos humanos e de envolvimento em um caso de suborno nos EUA. Seu costume de dar festas luxuosas também causou críticas. Para uma noite da comemoração de seis dias do casamento de sua filha, Mittal convidou 1.500 pessoas para Versalhes, o palácio perto de Paris. Isso caiu mal para um importante industrial indiano, que disse a amigos que o acontecimento foi "além da decência".

Celebridade na Índia
Essas opiniões, porém, não são amplamente compartilhadas no país de Mittal, onde nos últimos anos ele se tornou uma celebridade. "Suas realizações são um sinal de que a Índia está emergindo das sombras econômicas", disse Venu Srinivasan, presidente da TVS, uma grande fabricante de motocicletas. "Ele inspirou toda uma geração de empresários indianos."
Quanto ao gosto de Mittal pela boa-vida, Adi Godrej, presidente de um conglomerado industrial de Mumbai, diz: "Quando se trabalha para ganhar tanto dinheiro, você tem o direito de gastá-lo".

Progresso
O progresso de Mittal nos últimos sete anos -durante os quais ele fechou vários negócios consideráveis antes da Arcelor, especialmente comprando usinas estatais nos antigos países comunistas do Leste Europeu- elevou a parcela de sua companhia na produção mundial de aço de 2% para 10%.
Essas decisões provocaram uma série de outras aquisições na indústria siderúrgica, enquanto os concorrentes tentavam imitar sua abordagem. Essas, juntamente com um aumento maciço no consumo de aço e na produção da China, foram um fator-chave por trás de uma reviravolta no sentimento dos investidores em relação à siderurgia.
Mas seus acordos comerciais fazem parte de um fenômeno cujo impacto vai muito além da indústria siderúrgica. Até 2002, quando Mittal comprou o International Steel Group (EUA), quase todos os seus ativos siderúrgicos mais importantes estavam em países de baixo custo, longe dos principais centros industrializados.
A adoção por Mittal da alta tecnologia dos países de alto custo à sua base de baixo custo é um exemplo de "globalização inversa". Esse termo descreve como, contrariando as correntes dominantes do último século, cada vez mais empresas da Europa Ocidental e da América do Norte são adquiridas por rivais da Ásia e de outras regiões emergentes.

Cidadão global
Mas, enquanto Mittal sem dúvida faz parte dessa tendência maior, classificá-lo como um simples produto de economias de "baixo custo" é simplista demais. "Quando você conversa com Mittal, você tem a impressão de uma pessoa verdadeiramente global. Seu passado é indiano, mas ele parece transcender qualquer ambiente determinado", disse Ferdinando "Nani" Beccalli-Falco, presidente de operações extra-EUA da GE, o maior grupo industrial do mundo.
Enquanto a Mittal Steel, principal companhia de Mittal antes do negócio da Arcelor, foi freqüentemente descrita como indiana, a base operacional de Mittal desde 1995 esteve em Londres, e a sede formal da empresa, em Roterdã (Holanda).
Londres também é onde Mittal tem sua residência principal: uma mansão de 53 milhões de libras, comprada do magnata da F1 Bernie Ecclestone. Ela marca um forte contraste com as moradias humildes sem eletricidade no Rajastão, região pobre no norte da Índia onde Mittal passou a infância, antes de ir para Calcutá trabalhar em uma siderúrgica dirigida por seu pai, Mohan Mittal.
Mittal considera-se um "cidadão global". Mas "se orgulha" de ter mantido seu passaporte indiano e fala radiante sobre as perspectivas econômicas da Índia, que ele visita com freqüência, especialmente desde sua decisão em 2005 de construir uma aciaria de US$ 9 bilhões -seu primeiro grande investimento no país.

Persuasivo
Invariavelmente calmo e discreto, e com uma abordagem meticulosa do planejamento, Mittal tem a reputação de um grande negociante que consegue conquistar os adversários por meio de um raciocínio discreto, mas poderoso. Pessoas que o conhecem também dizem que ele inspira uma tremenda lealdade entre seus principais funcionários, vários dos quais trabalham para ele há duas décadas.
"Ele tem a capacidade de transmitir uma visão e de convencer as pessoas de que é capaz de implementá-la", disse Georges Ugeux, presidente do grupo de investimentos Galileo Global Advisors. "Quando as pessoas manifestam objeções, não as considera ofensas pessoais. Ele diz: "Você tem razão nisso, mas está errado naquilo", e então apresenta uma série de opções que normalmente conseguem vencer a discussão. Ele tem uma combinação de charme e sedução que pode ser muito poderosa".

"Um pouquinho diabólico"
Como se poderia esperar de alguém que teve a capacidade de conseguir tantos acordos inesperados, existe um lado mais complexo em sua personalidade. Um banqueiro que o conhece diz que há "um ligeiro elemento de subversão" em seu estilo. Outro fala que há nele algo "um pouquinho diabólico". "Mittal parece apreciar o fato de que as pessoas muitas vezes não sabem qual é seu plano de jogo e ficam procurando em volta pelas respostas."
Um ex-colega que "respeita enormemente" o magnata do aço diz que Mittal às vezes pratica "enganação deliberada" para ganhar discussões. Pressionado a discutir seu estilo operacional, Mittal diz: "Você pode dizer que eu penso "fora da caixa". Se eu entro em uma reunião e existe uma agenda da qual discordo, então eu a modifico ou pelo menos a coloco em uma ordem diferente".

Início
A abordagem ficou clara desde o início. Em 1975, Mohan Mittal mandou seu filho mais velho para a Indonésia para vender um lote de terra. Foi a primeira viagem de Mittal ao exterior. Mas assim que chegou o jovem Mittal decidiu que as perspectivas econômicas do país eram tão boas que era melhor ignorar as ordens do pai e construir uma siderúrgica no terreno, em vez de vendê-lo.
Cancelando seus planos de férias, ele ficou na Indonésia por várias semanas, conseguindo empréstimos de empresários locais. Seu pai não ficou aborrecido por seu filho adotar uma abordagem tão diferente? "Eu vi uma oportunidade e a expliquei para meu pai", diz. "Pedi seu apoio e ele deu."
A fábrica foi um sucesso; o jovem Mittal a havia expandido dez vezes até o final dos anos 80, produzindo 400 mil de toneladas de aço por ano. Mohan -que ainda é presidente das Ispat Industries, o maior grupo siderúrgico indiano, do qual Lakshmi separou seus interesses em 1994- discutiu ocasionalmente com seu filho, segundo conhecidos da família, sobre alguns de seus empreendimentos mais arriscados.
Entre esses, houve um projeto em 1995 para comprar uma siderúrgica decadente no Cazaquistão, um país que emergia do domínio soviético e que poucas pessoas conseguiam localizar no mapa, que mais tarde se mostrou amplamente rentável. Mas eles ainda se dão bem o suficiente para que Lakshmi oferecesse a festa dos 80 anos de seu pai em um evento elegante em Londres, em 2006.
Mais ou menos na mesma época, Mittal deu outra festa que foi tão anticonvencional quanto seu anfitrião. Para celebrar a conquista da Arcelor alguns meses antes, o bilionário alugou Brocket Hall, uma casa aristocrática ao norte de Londres, e convidou cerca de cem banqueiros e outros assessores que haviam trabalhado na transação. A festa se intitulou "Mittal's 111" -uma referência ao filme "Ocean's Eleven", de 1960, com Frank Sinatra no papel de Danny Ocean, que decide roubar os maiores cassinos de Las Vegas em uma série de incursões ousadas com dez de seus amigos.
Nos cartazes da festa, Mittal aparece como Sinatra, enquanto Sam Harmon -o principal cúmplice de Ocean, interpretado por Dean Martin- foi representado por Aditya Mittal, o filho de Mittal, com o qual ele tem uma relação muito próxima e que é o principal diretor financeiro da Arcelor Mittal.
Mittal tem autoconfiança suficiente para pensar que ninguém vai levar isso muito a sério. Quase certamente, a ligação entre suas façanhas quase impossíveis na siderurgia e aquela gangue de ladrões causou boa diversão a Mittal.


Tradução de LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES


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