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Maior siderúrgica do mundo surgiu do zero
Empresa do indiano Lakshmi Mittal tem faturamento superior a US$ 80 bilhões e 330 mil funcionários em 60 países
Em meados do ano passado, Mittal, quinta pessoa mais rica do mundo, adquiriu a européia Arcelor, em um negócio de US$ 35,5 bilhões
Vladimir Weiss - 12.out.06/Bloomberg News
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Trabalhador de usina da Mittal Steel em Ostrava, na República Tcheca; companhia de magnata indiano foi criada na década de 70 |
PETER MARSH
DO "FINANCIAL TIMES"
Lakshmi Mittal está passando o Natal em sua casa de férias
em St. Moritz, nos Alpes suíços,
para desfrutar seu último passatempo: esqui cross-country.
O empresário de 56 anos acredita que a versão do esporte em
que se desce a montanha é para
"preguiçosos" e prefere se impulsionar morro acima.
Os que conhecem o tubarão
do aço indiano não esperariam
nada diferente. Nos últimos 30
anos, ele montou a partir do zero a maior siderúrgica do mundo, cuja produção é o triplo da
de sua rival mais próxima. Ele
se tornou a quinta pessoa mais
rica do mundo, com uma fortuna estimada em US$ 23,5 bilhões pela revista "Forbes".
O ponto alto foi a aquisição
pela Mittal Steel em junho, por
US$ 35,5 bilhões, da Arcelor, de
longe o maior e mais difícil negócio de Mittal até hoje. A proposta inicial foi seguida por
uma guerra verbal de cinco meses entre Mittal e a direção da
Arcelor, que era totalmente
contrária à transação, e uma série de políticos europeus que
alegavam que o negócio causaria demissões e destruiria um
"campeão da indústria européia". Mittal venceu.
Sua vitória levou à criação da
Arcelor Mittal, da qual ele é o
principal executivo e o maior
acionista, com participação de
45%. A companhia tem vendas
anuais superiores a US$ 80 bilhões e 330 mil funcionários
em 60 países, com usinas em
cinco continentes. É um colosso numa indústria que recentemente era considerada um setor envelhecido, no "ocaso". A
siderurgia havia caído em tempos difíceis, uma reversão era
tida como quase impossível.
Mittal foi praticamente a
única pessoa do ramo a perceber que as receitas poderiam
aumentar por meio de um processo de consolidação para produzir companhias maiores,
com maior capacidade de impor preços aos clientes. A maior
parte do império foi construída
nas décadas de 80 e 90, com
Mittal adquirindo aciarias em
dificuldades em países como
Trinidad e Tobago, Cazaquistão e México e transformando-as em empresas rentáveis. Ao
mesmo tempo, ele emprestou
técnicas de setores mais bem-sucedidos, como o químico e o
automobilístico, para aumentar a qualidade e cortar custos.
Controvérsias
A natureza de seu negócio colocou Mittal em contato com
governos de todo o mundo, e
suas interações com eles provocaram certa controvérsia.
Em 2001, por exemplo, ele fez
uma doação de 125 mil libras
para o Partido Trabalhista, de
Tony Blair, mais ou menos na
época em que o premiê britânico escreveu para o governo romeno apoiando a proposta de
Mittal para assumir a Sidex,
uma grande usina estatal.
Mittal doou mais 2 milhões
de libras para os trabalhistas no
ano passado, mas não se envolveu em nenhum dos recentes
escândalos ligados a dinheiro
na política britânica. O indiano
sempre disse que sua doação
para Blair em 2001 não tinha
relação com o negócio da Sidex.
Mittal também é próximo de
Nursultan Nazarbayev, o ditador do Cazaquistão, que é acusado de violação de direitos humanos e de envolvimento em
um caso de suborno nos EUA.
Seu costume de dar festas luxuosas também causou críticas. Para uma noite da comemoração de seis dias do casamento de sua filha, Mittal convidou 1.500 pessoas para Versalhes, o palácio perto de Paris.
Isso caiu mal para um importante industrial indiano, que
disse a amigos que o acontecimento foi "além da decência".
Celebridade na Índia
Essas opiniões, porém, não
são amplamente compartilhadas no país de Mittal, onde nos
últimos anos ele se tornou uma
celebridade. "Suas realizações
são um sinal de que a Índia está
emergindo das sombras econômicas", disse Venu Srinivasan,
presidente da TVS, uma grande
fabricante de motocicletas.
"Ele inspirou toda uma geração
de empresários indianos."
Quanto ao gosto de Mittal
pela boa-vida, Adi Godrej, presidente de um conglomerado
industrial de Mumbai, diz:
"Quando se trabalha para ganhar tanto dinheiro, você tem o
direito de gastá-lo".
Progresso
O progresso de Mittal nos últimos sete anos -durante os
quais ele fechou vários negócios consideráveis antes da Arcelor, especialmente comprando usinas estatais nos antigos
países comunistas do Leste Europeu- elevou a parcela de sua
companhia na produção mundial de aço de 2% para 10%.
Essas decisões provocaram
uma série de outras aquisições
na indústria siderúrgica, enquanto os concorrentes tentavam imitar sua abordagem. Essas, juntamente com um aumento maciço no consumo de
aço e na produção da China, foram um fator-chave por trás de
uma reviravolta no sentimento
dos investidores em relação à
siderurgia.
Mas seus acordos comerciais
fazem parte de um fenômeno
cujo impacto vai muito além da
indústria siderúrgica. Até
2002, quando Mittal comprou
o International Steel Group
(EUA), quase todos os seus ativos siderúrgicos mais importantes estavam em países de
baixo custo, longe dos principais centros industrializados.
A adoção por Mittal da alta
tecnologia dos países de alto
custo à sua base de baixo custo
é um exemplo de "globalização
inversa". Esse termo descreve
como, contrariando as correntes dominantes do último século, cada vez mais empresas da
Europa Ocidental e da América
do Norte são adquiridas por rivais da Ásia e de outras regiões
emergentes.
Cidadão global
Mas, enquanto Mittal sem
dúvida faz parte dessa tendência maior, classificá-lo como
um simples produto de economias de "baixo custo" é simplista demais. "Quando você conversa com Mittal, você tem a
impressão de uma pessoa verdadeiramente global. Seu passado é indiano, mas ele parece
transcender qualquer ambiente determinado", disse Ferdinando "Nani" Beccalli-Falco,
presidente de operações extra-EUA da GE, o maior grupo industrial do mundo.
Enquanto a Mittal Steel,
principal companhia de Mittal
antes do negócio da Arcelor, foi
freqüentemente descrita como
indiana, a base operacional de
Mittal desde 1995 esteve em
Londres, e a sede formal da empresa, em Roterdã (Holanda).
Londres também é onde Mittal tem sua residência principal: uma mansão de 53 milhões
de libras, comprada do magnata da F1 Bernie Ecclestone. Ela
marca um forte contraste com
as moradias humildes sem eletricidade no Rajastão, região
pobre no norte da Índia onde
Mittal passou a infância, antes
de ir para Calcutá trabalhar em
uma siderúrgica dirigida por
seu pai, Mohan Mittal.
Mittal considera-se um "cidadão global". Mas "se orgulha"
de ter mantido seu passaporte
indiano e fala radiante sobre as
perspectivas econômicas da Índia, que ele visita com freqüência, especialmente desde sua
decisão em 2005 de construir
uma aciaria de US$ 9 bilhões
-seu primeiro grande investimento no país.
Persuasivo
Invariavelmente calmo e discreto, e com uma abordagem
meticulosa do planejamento,
Mittal tem a reputação de um
grande negociante que consegue conquistar os adversários
por meio de um raciocínio discreto, mas poderoso. Pessoas
que o conhecem também dizem que ele inspira uma tremenda lealdade entre seus
principais funcionários, vários
dos quais trabalham para ele há
duas décadas.
"Ele tem a capacidade de
transmitir uma visão e de convencer as pessoas de que é capaz de implementá-la", disse
Georges Ugeux, presidente do
grupo de investimentos Galileo
Global Advisors. "Quando as
pessoas manifestam objeções,
não as considera ofensas pessoais. Ele diz: "Você tem razão
nisso, mas está errado naquilo",
e então apresenta uma série de
opções que normalmente conseguem vencer a discussão. Ele
tem uma combinação de charme e sedução que pode ser muito poderosa".
"Um pouquinho diabólico"
Como se poderia esperar de
alguém que teve a capacidade
de conseguir tantos acordos
inesperados, existe um lado
mais complexo em sua personalidade. Um banqueiro que o
conhece diz que há "um ligeiro
elemento de subversão" em seu
estilo. Outro fala que há nele algo "um pouquinho diabólico".
"Mittal parece apreciar o fato
de que as pessoas muitas vezes
não sabem qual é seu plano de
jogo e ficam procurando em
volta pelas respostas."
Um ex-colega que "respeita
enormemente" o magnata do
aço diz que Mittal às vezes pratica "enganação deliberada"
para ganhar discussões. Pressionado a discutir seu estilo
operacional, Mittal diz: "Você
pode dizer que eu penso "fora
da caixa". Se eu entro em uma
reunião e existe uma agenda da
qual discordo, então eu a modifico ou pelo menos a coloco em
uma ordem diferente".
Início
A abordagem ficou clara desde o início. Em 1975, Mohan
Mittal mandou seu filho mais
velho para a Indonésia para
vender um lote de terra. Foi a
primeira viagem de Mittal ao
exterior. Mas assim que chegou
o jovem Mittal decidiu que as
perspectivas econômicas do
país eram tão boas que era melhor ignorar as ordens do pai e
construir uma siderúrgica no
terreno, em vez de vendê-lo.
Cancelando seus planos de
férias, ele ficou na Indonésia
por várias semanas, conseguindo empréstimos de empresários locais. Seu pai não ficou
aborrecido por seu filho adotar
uma abordagem tão diferente?
"Eu vi uma oportunidade e a
expliquei para meu pai", diz.
"Pedi seu apoio e ele deu."
A fábrica foi um sucesso; o jovem Mittal a havia expandido
dez vezes até o final dos anos
80, produzindo 400 mil de toneladas de aço por ano. Mohan
-que ainda é presidente das Ispat Industries, o maior grupo
siderúrgico indiano, do qual
Lakshmi separou seus interesses em 1994- discutiu ocasionalmente com seu filho, segundo conhecidos da família, sobre
alguns de seus empreendimentos mais arriscados.
Entre esses, houve um projeto em 1995 para comprar uma
siderúrgica decadente no Cazaquistão, um país que emergia
do domínio soviético e que
poucas pessoas conseguiam localizar no mapa, que mais tarde
se mostrou amplamente rentável. Mas eles ainda se dão bem o
suficiente para que Lakshmi
oferecesse a festa dos 80 anos
de seu pai em um evento elegante em Londres, em 2006.
Mais ou menos na mesma
época, Mittal deu outra festa
que foi tão anticonvencional
quanto seu anfitrião. Para celebrar a conquista da Arcelor alguns meses antes, o bilionário
alugou Brocket Hall, uma casa
aristocrática ao norte de Londres, e convidou cerca de cem
banqueiros e outros assessores
que haviam trabalhado na transação. A festa se intitulou "Mittal's 111" -uma referência ao
filme "Ocean's Eleven", de
1960, com Frank Sinatra no papel de Danny Ocean, que decide
roubar os maiores cassinos de
Las Vegas em uma série de incursões ousadas com dez de
seus amigos.
Nos cartazes da festa, Mittal
aparece como Sinatra, enquanto Sam Harmon -o principal
cúmplice de Ocean, interpretado por Dean Martin- foi representado por Aditya Mittal, o filho de Mittal, com o qual ele
tem uma relação muito próxima e que é o principal diretor
financeiro da Arcelor Mittal.
Mittal tem autoconfiança suficiente para pensar que ninguém vai levar isso muito a sério. Quase certamente, a ligação entre suas façanhas quase
impossíveis na siderurgia e
aquela gangue de ladrões causou boa diversão a Mittal.
Tradução de LUIZ ROBERTO
MENDES GONÇALVES
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