São Paulo, sexta-feira, 02 de janeiro de 2009

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DESVENDANDO 2009

Como sair da crise neste ano

OLIVIER BLANCHARD
EM WASHINGTON

NO TURBILHÃO de acontecimentos e notícias que caracteriza a atual crise mundial, muitas vezes se torna difícil manter a cabeça fria e compreender o que realmente está acontecendo.
Mas, quando recuamos um passo (algo que é mais fácil de fazer nos dias em que os mercados não estão funcionando), o quadro se torna claro, e as políticas requeridas, também. Permita-me primeiro preparar o cenário por meio de três observações sobre a situação que hoje vivemos. Primeiro, nos países avançados, o pior da crise financeira provavelmente já passou. Continuam a existir minas desconhecidas, como posições de "credit default swaps" (CDS) sobre as quais não estamos informados e prejuízos ocultos em balanços, mas os piores dias de congelamento dos mercados monetários e de "spreads" de risco obscenos provavelmente ficaram para trás.
Segundo, e infelizmente, a crise financeira se transferiu para os países emergentes. Ao cruzarem fronteiras, as realocações agudas de carteiras de investimento e a corrida para ativos mais seguros estão criando crises não só financeiras mas cambiais. Se adicionarmos a isso a queda na produção dos países avançados, será possível perceber que as economias emergentes agora sofrem tanto de custos mais altos para o crédito quanto de demanda reduzida por exportações.
Terceiro, nas economias avançadas, os prejuízos patrimoniais e, especialmente, o espectro de uma nova Grande Depressão levaram pessoas e empresas a cortar severamente os seus gastos. Elas não só revisaram seus planos de gastos mas em muitos casos postergaram compras, à espera de que a situação se esclareça. O resultado vem sendo uma queda acentuada na produção e no emprego, o que reforça o medo quanto ao futuro e assim traz reduções ainda maiores dos gastos. Consideremos agora as recomendações políticas. Caso minha caracterização dos acontecimentos esteja correta, então o conjunto certo de políticas a adotar é bastante claro.
Primeiro, as medidas já adotadas para reparar o sistema financeiro precisam ser refinadas e consolidadas. Uma boa notícia dos piores dias da crise, em outubro, é que ela assustou os governos o bastante para levá-los a agir na frente financeira. Os bancos centrais injetaram liquidez no mercado generosamente. Mas os governos logo compreenderam que a principal questão era a solvência. Prometeram implementar programas para adquirir ativos (para limpar os balanços das instituições financeiras), recapitalização (para garantir que, se solventes, pudessem continuar a operar e emprestar) e garantias (para reassegurar aos depositantes e a alguns investidores que os fundos estavam protegidos).
A arquitetura básica dessas medidas está instalada, mas sua implementação em muitos casos vem sendo confusa. As lições que crises bancárias anteriores ensinaram no mundo inteiro poderiam ter sido aprendidas mais rápido. As reviravoltas e reversões de alguns dos programas, especialmente nos Estados Unidos, confundiram os mercados e levaram os investidores privados a optar por esperar até que as políticas sejam esclarecidas antes de adquirir papéis de instituições financeiras. Tenho pouca dúvida de que esse processo de aprendizado prático resultará em programas coerentes. Mas perdemos tempo com isso. Segundo, os mercados emergentes precisam receber ajuda para se ajustar à crise financeira. Não é apenas uma questão de fornecer liquidez para que eles possam simplesmente manter suas taxas de câmbio diante de grandes fugas de capital. Muitos investidores que decidiram sair não retornarão por algum tempo, e os países precisam aceitar esse fato e agir com base nesse conhecimento.
Em alguns casos, eles serão capazes de fazê-lo sem ajuda, de modo que será necessário somente fornecer assistência à liquidez a fim de evitar um colapso das taxas de câmbio e permitir que o ajuste aconteça. Em outros casos, as fugas de capital só agravam situações já difíceis. Para esses países, mais que liquidez é necessário: eles precisam de ajuda financeira para que possam executar os ajustes requeridos.
As medidas corretas de assistência estão em vigor? Sim e não. Para alguns países, os maiores bancos centrais ofereceram acesso à liquidez por meio de linhas de "swaps". O Fundo Monetário Internacional, de sua parte, criou uma nova linha de crédito para liquidez, que permite aos países pré-qualificados se candidatarem e receberem fundos sem (ou sem muitas) precondições.
Por enquanto, esses arranjos se provaram suficientes. Mas a liquidez precisa ser fornecida de forma mais coerente e abrangente. Quanto aos países que precisam de mais ajuda, essa é a função natural do FMI. Diversos países já obtiveram fundos nos termos dos programas de empréstimos. Seria lícito nos preocuparmos com a possibilidade de que os fundos disponíveis sejam esgotados antes que a crise se encerre.
Terceiro, os governos precisam rebater a queda acentuada na demanda de consumo e investimento. Na falta de políticas fortes, é fácil demais pensar em cenários assustadores nos quais produção deprimida e problemas no sistema financeiro se alimentam mutuamente e resultam em queda brutal de produção. Por isso, é essencial que os governos façam duas coisas urgentemente. Primeiro, nos países em que houver espaço fiscal, é necessário anunciar expansões fiscais confiáveis; nós -o FMI- acreditamos que, em geral, uma expansão fiscal equivalente a cerca de 2% do PIB (Produto Interno Bruto) mundial seja tanto viável quanto apropriada. Por fim, e igualmente importante, os governos precisam indicar que, caso as condições se deteriorem, novas expansões fiscais serão implementadas.
Apenas diante desse compromisso as pessoas e as empresas confiarão em que não estamos a caminho de uma repetição da Grande Depressão e começarão a gastar de novo. Minha forte crença é que, caso essas políticas sejam seguidas, pelo final de 2009 ou até antes a economia mundial estará se recuperando da crise.


OLIVIER BLANCHARD é economista-chefe do FMI. Este artigo foi distribuído pelo PROJECT SYNDICATE.


Tradução de PAULO MIGLIACCI



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