|
Texto Anterior | Índice
DESVENDANDO 2009
Como sair da crise neste ano
OLIVIER BLANCHARD
EM WASHINGTON
NO TURBILHÃO de
acontecimentos e notícias que caracteriza a
atual crise mundial, muitas vezes se torna difícil manter a cabeça fria e compreender o que
realmente está acontecendo.
Mas, quando recuamos um
passo (algo que é mais fácil de
fazer nos dias em que os mercados não estão funcionando), o
quadro se torna claro, e as políticas requeridas, também.
Permita-me primeiro preparar o cenário por meio de três
observações sobre a situação
que hoje vivemos. Primeiro,
nos países avançados, o pior da
crise financeira provavelmente
já passou. Continuam a existir
minas desconhecidas, como
posições de "credit default
swaps" (CDS) sobre as quais
não estamos informados e prejuízos ocultos em balanços,
mas os piores dias de congelamento dos mercados monetários e de "spreads" de risco obscenos provavelmente ficaram
para trás.
Segundo, e infelizmente, a
crise financeira se transferiu
para os países emergentes. Ao
cruzarem fronteiras, as realocações agudas de carteiras de
investimento e a corrida para
ativos mais seguros estão
criando crises não só financeiras mas cambiais. Se adicionarmos a isso a queda na produção
dos países avançados, será possível perceber que as economias emergentes agora sofrem
tanto de custos mais altos para
o crédito quanto de demanda
reduzida por exportações.
Terceiro, nas economias
avançadas, os prejuízos patrimoniais e, especialmente, o espectro de uma nova Grande
Depressão levaram pessoas e
empresas a cortar severamente
os seus gastos. Elas não só revisaram seus planos de gastos
mas em muitos casos postergaram compras, à espera de que a
situação se esclareça. O resultado vem sendo uma queda acentuada na produção e no emprego, o que reforça o medo quanto
ao futuro e assim traz reduções
ainda maiores dos gastos.
Consideremos agora as recomendações políticas. Caso minha caracterização dos acontecimentos esteja correta, então
o conjunto certo de políticas a
adotar é bastante claro.
Primeiro, as medidas já adotadas para reparar o sistema financeiro precisam ser refinadas e consolidadas. Uma boa
notícia dos piores dias da crise,
em outubro, é que ela assustou
os governos o bastante para levá-los a agir na frente financeira. Os bancos centrais injetaram liquidez no mercado generosamente.
Mas os governos logo compreenderam que a principal
questão era a solvência. Prometeram implementar programas
para adquirir ativos (para limpar os balanços das instituições
financeiras), recapitalização
(para garantir que, se solventes,
pudessem continuar a operar e
emprestar) e garantias (para
reassegurar aos depositantes e
a alguns investidores que os
fundos estavam protegidos).
A arquitetura básica dessas
medidas está instalada, mas sua
implementação em muitos casos vem sendo confusa. As lições que crises bancárias anteriores ensinaram no mundo inteiro poderiam ter sido aprendidas mais rápido. As reviravoltas e reversões de alguns dos
programas, especialmente nos
Estados Unidos, confundiram
os mercados e levaram os investidores privados a optar por
esperar até que as políticas sejam esclarecidas antes de adquirir papéis de instituições financeiras. Tenho pouca dúvida
de que esse processo de aprendizado prático resultará em
programas coerentes. Mas perdemos tempo com isso.
Segundo, os mercados emergentes precisam receber ajuda
para se ajustar à crise financeira. Não é apenas uma questão
de fornecer liquidez para que
eles possam simplesmente
manter suas taxas de câmbio
diante de grandes fugas de capital. Muitos investidores que
decidiram sair não retornarão
por algum tempo, e os países
precisam aceitar esse fato e agir
com base nesse conhecimento.
Em alguns casos, eles serão
capazes de fazê-lo sem ajuda,
de modo que será necessário
somente fornecer assistência à
liquidez a fim de evitar um colapso das taxas de câmbio e permitir que o ajuste aconteça. Em
outros casos, as fugas de capital
só agravam situações já difíceis.
Para esses países, mais que liquidez é necessário: eles precisam de ajuda financeira para
que possam executar os ajustes
requeridos.
As medidas corretas de assistência estão em vigor? Sim e
não. Para alguns países, os
maiores bancos centrais ofereceram acesso à liquidez por
meio de linhas de "swaps". O
Fundo Monetário Internacional, de sua parte, criou uma nova linha de crédito para liquidez, que permite aos países
pré-qualificados se candidatarem e receberem fundos sem
(ou sem muitas) precondições.
Por enquanto, esses arranjos
se provaram suficientes. Mas a
liquidez precisa ser fornecida
de forma mais coerente e
abrangente. Quanto aos países
que precisam de mais ajuda, essa é a função natural do FMI.
Diversos países já obtiveram
fundos nos termos dos programas de empréstimos. Seria lícito nos preocuparmos com a
possibilidade de que os fundos
disponíveis sejam esgotados
antes que a crise se encerre.
Terceiro, os governos precisam rebater a queda acentuada
na demanda de consumo e investimento. Na falta de políticas fortes, é fácil demais pensar
em cenários assustadores nos
quais produção deprimida e
problemas no sistema financeiro se alimentam mutuamente e
resultam em queda brutal de
produção. Por isso, é essencial
que os governos façam duas
coisas urgentemente. Primeiro, nos países em que houver
espaço fiscal, é necessário
anunciar expansões fiscais
confiáveis; nós -o FMI- acreditamos que, em geral, uma expansão fiscal equivalente a cerca de 2% do PIB (Produto Interno Bruto) mundial seja tanto viável quanto apropriada.
Por fim, e igualmente importante, os governos precisam indicar que, caso as condições se
deteriorem, novas expansões
fiscais serão implementadas.
Apenas diante desse compromisso as pessoas e as empresas
confiarão em que não estamos
a caminho de uma repetição da
Grande Depressão e começarão a gastar de novo.
Minha forte crença é que, caso essas políticas sejam seguidas, pelo final de 2009 ou até
antes a economia mundial estará se recuperando da crise.
OLIVIER BLANCHARD é economista-chefe do
FMI. Este artigo foi distribuído pelo PROJECT
SYNDICATE.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
Texto Anterior: Gasto público tenta frear o desemprego Índice
|