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ROBERTO RODRIGUES
Agricultura no Carnaval
Alegria para todos,
menos para as centenas
de pecuaristas que vêem
sua renda desaparecer
SÁBADO DE Carnaval! Começo
de um longo feriado que, segundo alguns pessimistas,
marca o verdadeiro início do ano de
trabalho no Brasil. Mas não é verdade. Nesta semana mesmo, trabalhou-se muito, e contra o agronegócio brasileiro: o desmatamento provocado por madeireiros que o governo não tem condições de fiscalizar é
atribuído à soja e à pecuária; a União
Européia, num gesto exagerado de
auto-protecionismo, barra as exportações da competitiva e saudável
carne brasileira; e a profissão de invasor de terra é regulamentada com
a Previdência oficial.
Sábado de Carnaval! Começo de
um feriadão que se traduz em alegria musical em todos os campos do
nosso imenso país. Uma espécie de
relaxamento coletivo, em que uma
certa licenciosidade toma conta de
tudo: lindíssimas mulheres com
pouca ou nenhuma roupa se exibem
nas escolas de samba que encantam
o mundo todo com apoio do jogo do
bicho. Alegria, alegria para todos,
menos para as centenas de pecuaristas que vêem sua renda desaparecer
no frenético samba do crioulo doido
das barreiras comerciais sem explicações convincentes.
Sábado de Carnaval! Foliões de todas as idades se organizam em blocos e cordões ou se preparam para
varar a noite na frente da televisão;
trios elétricos lotam ruas e avenidas
das grandes cidades brasileiras; uma
juventude ligada à internet e ao telefone celular desliga suas máquinas e
cai na batucada em clubes, praças e
desfiles pelo país afora. E os produtores rurais mal conseguem descansar, apreensivos com a possibilidade
de a recessão americana aumentar,
contaminando mercados da Europa
e da Ásia e derrubando os preços das
commodities agrícolas que finalmente recuperaram seus valores em
dólares.
Sábado de Carnaval! Os mais velhos, nostálgicos, cantarolam com
envergonhada timidez as letras das
marchinhas dos anos 50, 60, 70. E
reclamam que não se fazem mais
músicas de Carnaval como antigamente. Na verdade, já não conseguem memorizar as longas letras
dos sambas-enredo. E, ao recordarem as velhas melodias, imediatamente afloram também os fatos que
marcaram suas vidas. Todo mundo
sabe que músicas e aromas marcam
épocas e fatos e, sempre que ouvidas
e sentidos, trazem-nos de volta. Ah,
antigos Carnavais, quando se encalhava em estradas lamacentas de
terra. Ainda agora, no sertão, debaixo de uma chuva que não para, garantindo o seguro contra o apagão
elétrico, produtores de soja e milho
se assombram, pensando em como
levar suas colheitas para os centros
de consumo e os portos, em estradas
que vão derretendo com a generosidade de Sao Pedro.
Enfim, é sábado de Carnaval, e
não vale a pena desperdiçar energia
com coisas negativas num tempo
em que a alma brasileira extravasa
seu júbilo natural, sua espontaneidade e sua hospitalidade mundialmente celebrados.
Vamos aproveitar esse espírito
festivo, deixar de lado as tormentas
armadas, e vamos comemorar a
contribuição do agronegócio para o
Carnaval. Afinal, vai todo mundo
consumir milhões de litros de bebidas: cerveja, vinho, cachaça, uísque,
e nada disso haveria sem cevada,
sem uva, cana-de-açúcar ou milho.
E aí, adeus alegria!
Toneladas de serpentinas e confetes atirados em gestos solidários só
existem porque alguém plantou árvores para fazer papel.
E, no fim das festas, quando em
camas arrumadas com lençóis de algodão e travesseiros de paina, casais
se unem na celebração do amor, cuidado! É bom usar camisinha! E agradecer aos agricultores que plantaram seringueiras para fazê-las.
ROBERTO RODRIGUES, 65, coordenador do Centro de
Agronegócio da FGV, presidente do Conselho Superior do
Agronegócio da Fiesp e professor do Departamento de Economia Rural da Unesp - Jaboticabal, foi ministro da Agricultura. Escreve aos sábados, a cada 15 dias, nesta coluna.
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