São Paulo, sábado, 02 de fevereiro de 2008

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ROBERTO RODRIGUES

Agricultura no Carnaval

Alegria para todos, menos para as centenas de pecuaristas que vêem sua renda desaparecer

SÁBADO DE Carnaval! Começo de um longo feriado que, segundo alguns pessimistas, marca o verdadeiro início do ano de trabalho no Brasil. Mas não é verdade. Nesta semana mesmo, trabalhou-se muito, e contra o agronegócio brasileiro: o desmatamento provocado por madeireiros que o governo não tem condições de fiscalizar é atribuído à soja e à pecuária; a União Européia, num gesto exagerado de auto-protecionismo, barra as exportações da competitiva e saudável carne brasileira; e a profissão de invasor de terra é regulamentada com a Previdência oficial.
Sábado de Carnaval! Começo de um feriadão que se traduz em alegria musical em todos os campos do nosso imenso país. Uma espécie de relaxamento coletivo, em que uma certa licenciosidade toma conta de tudo: lindíssimas mulheres com pouca ou nenhuma roupa se exibem nas escolas de samba que encantam o mundo todo com apoio do jogo do bicho. Alegria, alegria para todos, menos para as centenas de pecuaristas que vêem sua renda desaparecer no frenético samba do crioulo doido das barreiras comerciais sem explicações convincentes.
Sábado de Carnaval! Foliões de todas as idades se organizam em blocos e cordões ou se preparam para varar a noite na frente da televisão; trios elétricos lotam ruas e avenidas das grandes cidades brasileiras; uma juventude ligada à internet e ao telefone celular desliga suas máquinas e cai na batucada em clubes, praças e desfiles pelo país afora. E os produtores rurais mal conseguem descansar, apreensivos com a possibilidade de a recessão americana aumentar, contaminando mercados da Europa e da Ásia e derrubando os preços das commodities agrícolas que finalmente recuperaram seus valores em dólares.
Sábado de Carnaval! Os mais velhos, nostálgicos, cantarolam com envergonhada timidez as letras das marchinhas dos anos 50, 60, 70. E reclamam que não se fazem mais músicas de Carnaval como antigamente. Na verdade, já não conseguem memorizar as longas letras dos sambas-enredo. E, ao recordarem as velhas melodias, imediatamente afloram também os fatos que marcaram suas vidas. Todo mundo sabe que músicas e aromas marcam épocas e fatos e, sempre que ouvidas e sentidos, trazem-nos de volta. Ah, antigos Carnavais, quando se encalhava em estradas lamacentas de terra. Ainda agora, no sertão, debaixo de uma chuva que não para, garantindo o seguro contra o apagão elétrico, produtores de soja e milho se assombram, pensando em como levar suas colheitas para os centros de consumo e os portos, em estradas que vão derretendo com a generosidade de Sao Pedro.
Enfim, é sábado de Carnaval, e não vale a pena desperdiçar energia com coisas negativas num tempo em que a alma brasileira extravasa seu júbilo natural, sua espontaneidade e sua hospitalidade mundialmente celebrados.
Vamos aproveitar esse espírito festivo, deixar de lado as tormentas armadas, e vamos comemorar a contribuição do agronegócio para o Carnaval. Afinal, vai todo mundo consumir milhões de litros de bebidas: cerveja, vinho, cachaça, uísque, e nada disso haveria sem cevada, sem uva, cana-de-açúcar ou milho. E aí, adeus alegria!
Toneladas de serpentinas e confetes atirados em gestos solidários só existem porque alguém plantou árvores para fazer papel.
E, no fim das festas, quando em camas arrumadas com lençóis de algodão e travesseiros de paina, casais se unem na celebração do amor, cuidado! É bom usar camisinha! E agradecer aos agricultores que plantaram seringueiras para fazê-las.


ROBERTO RODRIGUES, 65, coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, presidente do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp e professor do Departamento de Economia Rural da Unesp - Jaboticabal, foi ministro da Agricultura. Escreve aos sábados, a cada 15 dias, nesta coluna.


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