São Paulo, quarta-feira, 02 de março de 2005

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COMÉRCIO

Setor substitui agricultura como "bola da vez" em encontro no Quênia para destravar negociações

Serviços vira novo impasse em reunião da OMC

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A ROMA

Começa hoje, no porto queniano de Mombasa, a primeira de uma série de tentativas de estabelecer o que, no jargão diplomático, já se chama de "pacote de julho", destinado a preparar o caminho para o sucesso da ministerial que a OMC (Organização Mundial do Comércio) fará em dezembro, em Hong Kong.
O "pacote de julho" poria ao menos alguma carne na até agora magérrima Rodada Doha, o mais recente lance de liberalização comercial, lançada em 2001, mas estancada desde então.
A reunião no Quênia envolve perto de 30 países, entre os muito ricos (EUA e União Européia), os grandes países em desenvolvimento (Brasil, Índia e China, por exemplo) e alguns pobres.
Para o Brasil, o encontro, antes mesmo de começar, já tem más notícias: a ênfase dos ricos em obter concessões, em vez de oferecer o que o G20 pede, ou seja, a liberalização do setor agrícola.
O G20 foi criado, por iniciativa de Brasil e Índia, na Ministerial de Cancún, o mais redondo fracasso e que levou ao adiamento do prazo originalmente concebido para terminar a Rodada Doha (2005). Outro fracasso, agora em Hong Kong, poria o sistema multilateral de comércio em profunda crise.
É claro que ninguém fala em manter como está o protecionismo agrícola, mas a União Européia, tradicional vilã nesse capítulo, usa uma linguagem agressiva.
"É óbvio que é necessário um acordo justo em agricultura, mas nós, agora, temos que fornecer o impulso político para mover as negociações em todas as áreas da agenda de Doha", diz Mariann Fischer Boel, a holandesa que assumiu, em outubro, o cargo de comissária para a Agricultura.
O britânico Peter Mandelson, comissário de Comércio, especifica: "É necessária maior ambição notadamente nas negociações sobre serviços e acesso a mercado para bens não-agrícolas".
O Brasil, em tese, não teria maiores dificuldades em abrir seu mercado de serviços, quase todo liberalizado. O problema é que há restrições legais ao capital estrangeiro, que, embora não sejam aplicadas, incomodam os investidores por não lhes dar as garantias jurídicas que gostariam de ter.
Por isso mesmo, a oferta brasileira sobre serviços foi pobre.
Poucos países, aliás, fizeram ofertas de fato suculentas, a ponto de Hamid Mamdouh, diretor da Divisão de Comércio em Serviços da OMC, dizer que o "item de crise" para a reunião do Quênia é justamente serviços. É eloqüente: em todas as reuniões mini-ministeriais anteriores e na própria Ministerial de Cancún, o "item de crise" era sempre agricultura.
Mais: ele acha que, sem um bom avanço em serviços, seria difícil chegar a um acordo nas áreas de agricultura e bens industriais.
O governo brasileiro recusa-se a aceitar a barganha, alegando que agricultura é o único setor em que, até agora, não houve efetiva liberalização. Concedê-la agora seria uma obrigação mínima, não uma moeda de troca para que sejam feitas concessões adicionais em serviços (ou outras áreas).


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