São Paulo, segunda-feira, 02 de abril de 2007

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País precisa investir mais no álcool, diz BID

Só para manter sua fatia de mercado até 2020 país precisa investir ao menos US$ 60 bi, diz autor de estudo do banco

Rothkopf teme uma "bolha do milho" nos EUA e acredita que, com investimento, o Brasil pode se tornar a Arábia Saudita do setor

Leonardo Wen/Folha Imagem
Terreno preparado para o plantio de cana no distrito de Santo Antonio da Estiva, no município de Pirajuí, interior de São Paulo

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Se fizer os investimentos necessários na infra-estrutura e criar um mercado global para biocombustíveis, o Brasil pode se tornar a Arábia Saudita do álcool. E muita gente vai perder dinheiro na "bolha do milho", uma explosão de investimentos em produção de etanol feito a partir do milho nos EUA.
É o que diz o analista e consultor David Rothkopf, ex-membro do governo Clinton, comissionado pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) para fazer um estudo que projeta como estará o mercado global de biocombustíveis em 2020. Em entrevista à Folha, adianta conclusões do levantamento, a ser anunciado hoje em Washington.

 

FOLHA - Qual a principal conclusão de seu relatório?
DAVID ROTHKOPF
- Eu não diria que há apenas uma, mas a que se sobressai é que o mercado dos biocombustíveis está mudando rapidamente, há muito mais dinheiro entrando, há muitas mudanças nas legislações, há muita inovação e competição. Velhos modelos de negócios, velhos enfoques de investimento serão rapidamente sobrepostos pelos novos.

FOLHA - O estudo menciona que US$ 200 bilhões serão necessários para que os biocombustíveis respondam por 5% do mercado global de combustíveis. Hoje tem 1%. Não é uma meta ambiciosa?
ROTHKOPF
- Na verdade, é modesta, dada a atividade recente. Por exemplo, a mistura obrigatória de biocombustível na gasolina já existe em 27 dos 50 países estudados. Para ser mais cuidadoso, 5% em 2020 é razoável, e 10% não é impossível.

FOLHA - Como o Brasil se sai no estudo? Hoje, o país e os EUA respondem por mais de 70% da produção mundial de etanol. Isso mudará?
ROTHKOPF
- Se o Brasil quiser manter algo parecido com a fatia de mercado que tem agora, ou mesmo perder só um pouco, terá de investir US$ 60 bilhões ou US$ 70 bilhões nos próximos 12 anos apenas para cumprir sua meta de triplicar o volume atual de exportações. Neste momento, pelo menos, há muito dinheiro indo ao Brasil, e os investimentos em biocombustíveis cresceram muito. Mas a pergunta que os investidores farão nos próximos anos é se o mercado global vai se desenvolver, se a economia brasileira se manterá forte, se o Brasil vai continuar um país inovador no setor e se serão dados os passos necessários para um crescimento sustentável. O país se tornou o líder dos biocombustíveis num ambiente relativamente não-competitivo. Para continuar líder no meio de uma revolução mundial energética como a que está começando, terá de descobrir uma maneira de se sair bem diante de competição feroz.

FOLHA - O Brasil tem tomando as medidas corretas para isso?
ROTHKOPF
- Até agora, sim. O governo brasileiro tem sido extremamente sábio em fazer contatos e acordos, por exemplo, com líderes mundiais. Isso mostra confiança. Mostra vontade de ser líder global. O Brasil pode ser a Arábia Saudita dos biocombustíveis, mas precisa criar um mercado global para o produto. Criar oferta e nova demanda em outros países, como vem tentando fazer, vai beneficiar o Brasil mesmo se beneficiar outros países. Isso mostra muita visão e coragem, e é o passo certo.

FOLHA - O sr. vê queda da tarifa nos EUA para o álcool brasileiro?
ROTHKOPF
- Não sei quando, mas tem de cair. Os EUA não podem se comprometer com energia alternativa e com segurança energética e manter essa tarifa. As metas estabelecidas pelo presidente dos EUA não podem ser atingidas sem um mercado aberto de biocombustíveis entre EUA e Brasil. A mensagem não é séria a não ser que seja eliminada essa tarifa completamente indefensável.

FOLHA - Quem financiará a revolução energética?
ROTHKOPF
- Todos. O setor privado está investindo muito, em bons e maus negócios. Por exemplo, o investimento em etanol de milho nos EUA vai ser uma decepção para as pessoas, como na bolha da internet. Muita gente ganhará dinheiro, mas outros perderão muito.

FOLHA - Há uma "bolha do milho"?
ROTHKOPF
- Sim. Há muito investimento no etanol de milho que é superestimado. Se você olhar para a nova geração de criação de etanol, como o de celulose, vê produtos que crescem muito mais rapidamente que o milho e são mais eficazes.
O etanol de milho é um resquício de um programa que foi criado para prover uma fonte alternativa de renda para os fazendeiros americanos em época de sobras de safra. E não acaba por motivos políticos. Você não pode ser eleito presidente dos EUA sem passar por Iowa [Estado produtor de milho dos EUA]. Mas isso está mudando.


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