São Paulo, quarta, 2 de abril de 1997.

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LUÍS NASSIF
O anexo 4 e o dinheiro do Vetor

Parte do dinheiro dos precatórios, recebido pelo Banco Vetor, pode ter saído do Brasil por meio de ato do interventor do Banco Central, autorizando a remessa de US$ 14 milhões de uma conta CC4. A análise é de um dos principais operadores do mercado de câmbio de São Paulo.
O interventor alegou que reter o dinheiro poderia afetar a imagem do Brasil lá fora. Bastaria ter condicionado a liberação do dinheiro à presença física do investidor estrangeiro. Provavelmente ninguém iria aparecer, assim como muitos titulares das contas ao portador, quando houve o bloqueio de cruzados no Plano Collor. Mesmo porque, grande parte dos recursos da conta CC4 é de investidores brasileiros querendo esquentar dinheiro.
É importante a CPI entender o funcionamento dos mercados A (oficial) e B (paralelo) de dólares.
Até abril de 1996, quase toda a movimentação do paralelo se dava por meio das contas CC5 -as chamadas contas de não-residentes, em bancos brasileiros, que podem operar com dólares.
O sujeito abria a conta em dólares e movimentava livremente.
Naquele mês, o Banco Central mudou as regras do jogo e tornou os bancos responsáveis pela contabilidade dessas contas. O investidor podia depositar na CC5, mas atrás de cada cheque tinha de informar se era para a compra de câmbio. Com isso, fechou o caminho para transferir dólares do mercado A para o B.
Aí começou a subir o ágio do dólar paralelo. Para conter o ágio, o BC permitiu que alguns bancos brasileiros na fronteira com o Paraguai passassem a dar conversibilidade ao real.
Foi como uma espécie de ponte de safena por onde passou a correr o mercado paralelo.
O trabalho passou a ser feito por bancos brasileiros -o Banestado, o Araucária, o Rural e o Bemge-, tendo como parceiros bancos paraguaios, como o Integración e o Ciudad del Paraná. O esquema funciona da seguinte maneira:
1) o sujeito quer mandar dólares para fora. Ele abre conta num banco brasileiro em seu nome; e na agência do mesmo banco, em Foz do Iguaçu, em nome de um "laranja". Há um comércio de "laranjas" em Foz. Por US$ 500 ou US$ 600 mensais é possível "alugar" o CIC e o RG de uma pessoa;
2) o investidor deposita reais na conta do "laranja" (ou um procurador). O ``laranja'' saca os reais e leva-os até o Paraguai. Lá, vende para um dos dois bancos correspondentes -o Integración ou o del Paraná- e recebe os dólares, em geral em sua conta no exterior; 3) diariamente, os bancos paraguaios juntam esses reais lá depositados e remetem, de carro forte, de volta para o lado brasileiro. Aqui, vendem os reais para os bancos brasileiros e recebem de volta seus dólares;
4) para repor os dólares dos bancos paraguaios, os bancos brasileiros vão adquirir no mercado oficial;
5) depois que o dinheiro chega lá fora, parte dele retorna para o Brasil por meio do Anexo 4 -os tais fundos de capital estrangeiro autorizados a operar em Bolsa. Provavelmente, esse deve ter sido o ciclo seguido pelo dinheiro do Vetor. Primeiro, o doleiro que mandou o dinheiro para fora por meio de Ciudad del Este. Depois o dinheiro retornando via Anexo 4.
O passarinho estava na gaiola quando foi decretada a intervenção no Vetor. O BC abriu a porta. Fábio Nahoum
Se você fosse prefeito de uma cidade, emitisse títulos para pagamento de precatórios, tudo conforme manda a lei. Depois, viesse um espertalhão de mercado, corrompesse seus funcionários, levasse a operação para outros Estados, espalhando suspeitas sobre sua lisura, qual seria seu comportamento?
No mínimo, desancar o oportunista. Pago um almoço de pizzas se alguém me apontar uma frase de Maluf criticando ou incriminando o Banco Vetor. No episódio em que Fábio Nahoum, do Vetor, mencionou Maluf, o ex-prefeito investiu vigorosamente contra mim -e, curiosamente, poupou o autor das declarações. De sua parte, nem no âmbito de uma reunião reservada, Nahoum avançou além de generalidades sobre os meandros dessa operação de precatórios.
Ele passa o foco das investigações para Wagner Ramos, que passa para ele, que insinua Maluf. Tudo sem avançar uma informação relevante sequer, numa autêntica operação despiste.
Sendo o principal articulador do esquema, ou apenas seu braço financeiro (o mais provável), Nahoum sabe praticamente de todos os lances e conhece os principais personagens.
Foi ele quem recebeu o dinheiro da comissão de Estados e determinou o destinatário de cada cheque. E era seu banco que detinha esse volume de recursos do Anexo 4, desproporcional ao próprio capital da instituição. A coluna estabeleceu o dia de ontem como prazo para que Nahoum apresentasse uma informação relevante sobre o episódio, como demonstração de sua lisura no processo. Não apresentou.

Email: lnassif@uol.com.br

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