São Paulo, domingo, 02 de maio de 2010

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ALBERT FISHLOW

A crise europeia


Os líderes da UE se reúnem e fazem promessas a cada crise, mas estão sempre atrasados; o FMI se envolveu tarde demais


A GRÉCIA , e mais recentemente Portugal e Espanha, dominaram a imprensa financeira nas últimas semanas. As dívidas soberanas desses países tiveram sua classificação rebaixada, mais radicalmente no caso da Grécia, cujos títulos a Standard & Poor's agora classifica como "junk bonds". Os juros sobre eles, com isso, dispararam.
Para as pessoas que se interessam por história, os acontecimentos atuais dificilmente constituem surpresa. Afinal, no século 4 a.C., as cidades gregas declararam moratória sobre os empréstimos tomados para construir o templo de Delos; e, no século 19, depois de conquistar a independência política, a Grécia deu mais quatro calotes.
As circunstâncias modernas são um pouco mais complicadas. Todos os países mencionados fazem parte da União Europeia e adotaram o euro.
O Tratado de Maastricht fixa um conjunto de condições a satisfazer quanto a um nível de deficit fiscal inferior a 3%, uma magnitude de dívida pública inferior a 60% do PIB, bem como baixa inflação. No início, as coisas pareciam estar funcionando bem, e a convergência estava funcionando. O valor do euro subiu de modo impressionante ante o dólar.
Com a recente crise de 2007/8, a situação escapou completamente ao controle. Um indicativo das dimensões do problema está em a Grécia ter registrado no ano passado deficit fiscal superior a 14%, relação entre dívida pública e PIB superior a 100% e inflação em queda após índice superior a 4% em 2008.
Outros países enfrentaram problemas, mas não dessa magnitude, e tentaram resolvê-los. Um bom exemplo é a Irlanda. Também infelizmente, o problema persiste há meses. Os líderes da União Europeia se reúnem e fazem promessas a cada crise, mas estão sempre atrasados.
Os pacotes de assistência prometidos foram sempre insuficientes, e o FMI se envolveu tarde demais, e apenas por iniciativa do primeiro-ministro grego, George Papandreou.
A Alemanha demonstrou claramente que é um líder relutante na União Europeia. O motivo é compreensível. O público alemão não vê grandes motivos para fornecer os recursos requeridos. Até recentemente, claro, os alemães estavam felizes com a venda continuada de exportações de seu país à Grécia. Isso resultava em empregos na Alemanha. E a Grécia não está sozinha em seus problemas.
A Alemanha mantém superavit em seu comércio com os demais países da União Europeia e financia a crescente dívida de muitos dos demais países. Historicamente, uma situação como essa teria resultado em valorização do marco, mas com o euro essa possibilidade desapareceu. Um ajuste conduzido por meio de taxas de câmbio já não é possível.
Isso força a Grécia a reduzir diretamente a demanda interna e a renda disponível. Não surpreende que haja, no país, grande resistência a esse desfecho. Os sindicatos estão resistindo vigorosamente. Preferem o passado de altos salários, consumo ampliado e maior endividamento. Resolver a situação não será fácil.
Fundamentalmente, a Alemanha terá de consumir e importar mais, enquanto os demais países poupam e exportam mais. Mais fácil falar sobre um equilíbrio sustentável como esse do que atingi-lo. Não avançamos muito nesse sentido, até agora.
Existe um indicador claro da importância internacional dessa questão. Depois que o Banco Central brasileiro elevou a taxa Selic em 0,75 ponto percentual, na quarta, a edição de quinta do "Financial Times" não teve espaço para um artigo sobre o assunto. A preocupação com a Europa era intensa demais.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

ALBERT FISHLOW, 74, é professor emérito da Universidade Columbia e da Universidade Berkeley. Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.

afishlow@uol.com.br


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