São Paulo, quarta-feira, 02 de junho de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

É preciso ajudar os dados com argumentos

ANTONIO BARROS DE CASTRO

Não cabem dúvidas, para muitos, de que a política macroeconômica atual explica não apenas o decepcionante desempenho da economia como também a perda de apoio por parte do governo. As próprias deficiências no que se refere ao gerenciamento da máquina pública seriam explicadas por um tipo de política que não conta com o Estado, e sim, unicamente, com o mercado.
No que toca ao decepcionante desempenho da economia, três ponderações parecem-me oportunas.
A retomada que estamos atravessando não tem se mostrado decepcionante, e sim vigorosa. Comprovam-no o crescimento de 5,8% da indústria no primeiro trimestre deste ano, comparado com o mesmo período de 2003, e a expansão de 9,1% da massa salarial da indústria no mesmo tipo de comparação. A expansão da massa de salários e o início da recuperação do emprego sugerem, aliás, que a retomada está deixando para trás a sua fase inicial (em que crescem, basicamente, o comércio e a produção de duráveis de consumo) e ingressando numa segunda etapa.
A segunda ponderação consiste em que, admitindo que esteja em curso um processo de recuperação, claramente ainda não se ingressou na fase de crescimento propriamente dito. Nela, tipicamente, o emprego (e não apenas o número de horas trabalhadas) começa a crescer, e o investimento tende a assumir papel de destaque na expansão. Só então, acrescente-se, a massa de salários e os investimentos passam efetivamente a interagir, alimentando-se um ao outro.
A terceira ponderação é apenas um lembrete. Numa economia complexa e diversificada como a nossa, herdeira, ademais, de graves problemas histórico-estruturais, é (sempre) fácil apontar aspectos negativos. O importante é saber se estão ocorrendo mudanças e se elas são para melhor. No meu entender, duas mudanças saltam aos olhos no momento, uma positiva e a outra negativa.
A primeira consiste em que pela primeira vez em 20 anos (desde 1984) a expansão é acompanhada de dados cada vez mais favoráveis no tocante às trocas externas. O saldo de comércio, inusitadamente positivo, surge, dessa feita, acompanhado da expansão das importações (e, portanto, de forte elevação da corrente de comércio). Além disso e em flagrante contraste com a vigorosa recuperação de 1984/85, a inflação se encontra basicamente sob controle.
Já o aspecto negativo que mais chama a atenção nessa recuperação consiste, possivelmente, no fato de que ela não tem contaminado as expectativas. No início de 1991, por contraste, não obstante o desmoronamento argentino e o colapso da Bolsa de Nova York, muita gente (empresários, destacadamente) apostava no prosseguimento da expansão em curso.
O patente divórcio que estamos vivendo entre o desempenho das atividades econômicas e o clima geral da economia tem certamente vários ingredientes. As altíssimas expectativas geradas pelo novo governo já foram invocadas por mais de um observador, para ajudar a entender o presente anticlímax. Concordo. Parece-me, no entanto, adequado ter em conta dois outros argumentos, que ficam aqui apenas sugeridos.
Primeiramente, desde o golpe militar (1964), difundiu-se neste país a noção de que existem alternativas de política econômica, totalmente diferentes das praticadas pelas autoridades, muito mais eficientes e, no entanto, não-radicais. Essa convicção manteve-se viva até durante o crescimento acelerado da década de 70! Em momento nenhum ficaram claras, no entanto, quais eram as propostas substantivas -e como elas seriam politicamente levadas a efeito.
Atenção: a incessante invocação da China e da Índia a esse propósito é altamente enganosa. Ambos os países começaram a crescer rápida e sustentadamente -diferentemente do ocorrido na América Latina- a partir de reformas liberalizantes. Mas era um liberalismo evolucionista e, sobretudo, adaptado às instituições locais.
Finalizo dizendo que falta a este governo, clamorosamente, mostrar, com sólidos argumentos, que a política macro que aí está tem futuro, não sendo, portanto, mera imposição da "herança maldita"! Há que mostrar, por exemplo, como se pretende -preservada a política macroeconômica- recuperar, nos próximos anos, o investimento público, já que a carga tributária, consensualmente, não pode ser ampliada. Alem disso, como pretende o governo efetivamente estimular o investimento privado e, em particular, com será levada à pratica a política industrial e tecnológica recentemente anunciada?
Também poderia ajudar a melhorar o clima uma assumida reabertura da discussão acerca das políticas sociais -que é, afinal, onde se supunha que este governo traria importantes contribuições. E não faria mal nenhum a admissão de que o governo, como todos sabem, subestimou dificuldades. Afinal FHC disse, no início do primeiro mandato, que estava achando muito fácil governar o país!


Antonio Barros de Castro, 65, professor titular da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às quartas, a cada 15 dias, nesta coluna.


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