São Paulo, sexta-feira, 02 de junho de 2006

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"Multibolhas" preocupam Wall Street

GILSON SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

Uma síndrome de multibolhas ("multi-bubble syndrome') ronda as tesourarias do sistema financeiro global. O neologismo foi lançado nesta semana por Stephen Roach, do Morgan Stanley, um dos mais criativos analistas de Wall Street.
A imagem serve para mostrar que, desta vez, a crise financeira tem uma nova característica: ao contrário de crises anteriores, detonadas por um acontecimento específico (a quebra de um banco, a maxidesvalorização de uma moeda asiática ou o calote de um país latino-americano), desta vez há uma rede complexa e global de acontecimentos que sinalizam a exaustão do ciclo de alta liquidez nos mercados internacionais.
Em vez de uma bolha estourar de modo espetacular, há muitas bolhas especulativas prestes a se romper. Hoje é menos provável a ocorrência de um evento cataclísmico, até mesmo porque os bancos centrais aprenderam algumas lições desde que, no final dos anos 70, o Fed resolveu lidar com os riscos globais promovendo um choque de juros.
O cenário mais provável é o de uma desvalorização lenta e gradual dos ativos, tecida através de inúmeras corridas de curta duração, como a que ocorreu nas últimas duas semanas. Esta não foi a primeira nem será a última ocorrência num processo que, segundo Roach, reflete um aumento da aversão ao risco em todos os mercados do mundo.
Como não há um evento maior, no lugar de uma inflexão completa rumo à inflação ou à depressão surgem ciclos de curta duração, tanto otimistas como pessimistas. Aumenta a volatilidade dos preços dos ativos e, portanto, as oportunidades de ganho no curto prazo.
Em meio ao processo, boas notícias interrompem ou suspendem temporariamente a sensação de catástrofe. Ontem foram anunciados indicadores econômicos que mostram a desaceleração da economia dos EUA, reduzindo as chances de nova elevação dos juros pelo Fed. O setor de construção continua esfriando e os consumidores já sentem o aperto da alta nos preços da energia.
Roach, no entanto, alerta para uma virada psicológica de fundo nos mercados globais. Os fatos das últimas semanas sinalizariam uma reversão importante no quadro mais geral de liquidez em todos os mercados do mundo. Ou seja, sobra cada vez menos dinheiro para investir, especular ou emprestar.
Os mercados podem exagerar na precaução. Um dos sintomas dessa nova aversão ao risco tem sido o surgimento de expectativas cada vez mais intensas de que o Banco do Japão iniciará a alta dos juros antes do que se imaginava. Por conta dessa expectativa, o governo japonês viu-se obrigado a injetar US$ 13 bilhões na economia, interrompendo o processo de enxugamento da liquidez que tinha começado em março.


GILSON SCHWARTZ, professor da Escola de Comunicações e Artes da USP e diretor da Cidade do Conhecimento, viajou aos EUA a convite da Evergreen State College.

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