São Paulo, quarta, 2 de julho de 1997.



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OPINIÃO ECONÔMICA
Idéia estragada

LUIZ ANTONIO DE MEDEIROS
A criação de um fundo de ativos para resolver o problema dos servidores inativos da União, onde estão encastelados os privilegiados de aposentadorias milionárias que os trabalhadores do setor privado sustentam, é mais um exemplo vergonhoso de como uma idéia criativa e generosa pode ser estragada. Um burocrata a serviço do Estado, não da sociedade à qual o Estado deve servir, roubou a idéia e transformou-a numa pavorosa injustiça.
O fundo de ativos seria formado com dinheiro da privatização, ações de estatais, imóveis e créditos a receber da União, num valor não inferior a R$ 200 bilhões, e deixaria o Estado livre de um gasto anual de R$ 20 bilhões. Resolveria, num passe de mágica, parte do problema do déficit público.
É um engenho contábil, apenas, porque não gera riqueza, não cria emprego, não estimula o desenvolvimento. Só muda a forma de pagar a conta.
A verdade que os burocratas escondem é esta: quem continuará pagando a conta dos privilegiados? A sociedade, da qual se retirarão R$ 200 bilhões. Quem continuará sendo beneficiado? O setor estatal e uma parcela ínfima da população, menos de 1 milhão de funcionários, alguns dos quais superfuncionários com superaposentadorias.
De uma reforma previdenciária verdadeira ninguém fala, mas só ela acabaria com a injustiça dos dois regimes -um, de privilégios, para o setor público, e outro, de fome, para o setor privado.
Com o fundo de ativos, cada servidor aposentado da União levará mais de R$ 200 mil. Enquanto isso, os aposentados do INSS continuarão com sua aposentadoria de um salário mínimo, os depositantes do FGTS continuarão tungados em seus rendimentos, os milhares de excluídos, sem-terra, sem-teto e sem-emprego continuarão ao deus-dará. É como se uma empresa decidisse dar um bom aumento -mas só para a diretoria.
Em 1993, quando tentamos fazer a revisão constitucional, a Força Sindical e o Instituto Atlântico apoiaram a idéia generosa, proposta pelo economista Paulo Rabello de Castro, de pagar toda a dívida social mediante um "encontro geral de contas", da seguinte forma: municípios, Estados e União estão endividados. Como todo mundo deve para todo mundo (dívidas cruzadas), cada um pagaria sua dívida com ações de suas estatais municipais, estaduais e federais.
É mais ou menos como se eu devesse para você, você devesse para mim, e a gente nunca acertasse as contas. Não é melhor a gente se entender a respeito?
Feito o acerto geral de contas, todos passariam a governar sem dívidas e sem juros. Existe melhor receita para acabar com o déficit público? Existe algo mais justo? Por exemplo: o governo federal, com esse lastro (as ações que receberia de seus devedores, principalmente Estados), poderia pagar a dívida social depositando nos fundos públicos -como o FGTS- um certificado, que poderíamos chamar de Obrigações Sociais do Tesouro Nacional (OSTN).
Com isso, os correntistas do FGTS poderiam sacar as OSTNs e entregá-las para o administrador de sua preferência. No decorrer do programa de privatização, o governo coloca à venda as empresas que recebeu dos Estados. Os fundos nos quais as OSTNs estivessem depositadas comprariam essas ações com as OSTNs. O cidadão torna-se acionista das empresas, por intermédio dos fundos, o governo recolhe as OSTNs e o círculo se fecha.
Qual o resultado disso? No exemplo dado, os governadores pagam suas dívidas, os trabalhadores recebem seus benefícios, e a propriedade das estatais é democratizada. Os fundos, fortalecidos, poderão agora emprestar dinheiro -com segurança- para os governadores e para quem mais quiserem, com prazos longos, pois esse dinheiro só poderá ser sacado na aposentadoria. E que aposentadoria! Pois, nesse caso, o dinheiro passa a render mais do que rende hoje, nessa Previdência Social falida.
Essa é a idéia. Compare as duas. A nossa é a do justo e possível, fácil de fazer, "encontro geral de contas", que defendemos há anos. A do burocrata governamental é a do fundo de ativos, para maquiar o déficit público e salvar apenas os privilegiados da União. São idéias parecidas, mas com propósitos bem diferentes. A nossa quer fazer justiça. A do burocrata governamental quer manter privilégios e apenas fazer um acerto contábil de contas.


Luis Antonio de Medeiros, 49, é presidente da Força Sindical. É autor de "A Conquista da Modernidade" (Geração Editorial).



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