São Paulo, Sexta-feira, 02 de Julho de 1999
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OPINIÃO ECONÔMICA

Maldito Plano Real

MAILSON DA NÓBREGA

O título deste artigo poderia ter sido usado por muitos que falaram ou escreveram sobre o Plano Real em seu quinto aniversário. Uns procuraram realçar o que consideram erros do presidente e da equipe econômica.
Outros disseram que males como o desemprego, a estagnação econômica e a concentração de renda foram causados pelo plano. Com um pouco mais de imaginação concluiriam que o plano é a causa do desmatamento da Amazônia.
Houve teorias políticas e números incríveis. Voltou-se a falar em perdas de US$ 100 bilhões na crise cambial, quintuplicação da dívida pública e quejandos. O plano foi acusado de deixar 10 milhões sem emprego. Arrasador, não?
Dá para compreender muitas dessas análises, até porque guardam coerência com posições conhecidas de seus autores.
A maioria é sincera, ainda que não conheça certas especificidades do setor público brasileiro e menospreze a complexidade do processo decisório sob democracia, particularmente em um país em processo de construção institucional.
Dá, portanto, para entender. Em certos casos, a crítica reforça pontos de vista individuais e convence adicionalmente os seus formuladores.
A análise do deputado José Genoino (PT-SP), parlamentar lúcido por quem nutro admiração e respeito, foi decepcionante. Sua lamentável apreciação saiu em artigo no "O Estado de S. Paulo" de 26/6/99, intitulado "Plano Real, nada a comemorar".
Genoino viu apenas defeitos no Plano Real. No máximo, admitiu que teria havido uma sensação de riqueza no início, mas logo em seguida emendou: "Do ponto de vista da realidade efetiva das coisas, o Real era uma fantasia".
Baseado em análise equivocada de Antoninho Trevisan, afirmou que "a sensação de riqueza foi sustentada por um processo de endividamento que hipoteca o futuro das novas gerações". Foi além da já popular, mas improcedente, tese da quintuplicação: o endividamento teria pulado de R$ 60 bilhões para R$ 400 bilhões.
O deputado não dá crédito sequer à engenhosa passagem da moeda antiga para a nova, via URV, cujo mérito nem os mais ferrenhos críticos jamais deixaram de reconhecer. Para ele, a queda da inflação foi reles "consequência da brutal recessão e do desemprego". E, acrescentou, "da sistemática quebra da base produtiva nacional".
Genoino menciona os mesmos R$ 100 bilhões de prejuízos com a crise cambial, uma inverdade que de tanto repetida em notas e editoriais está virando verdade cristalina. Para ele, "o único setor que ganhou com a "fantasia" do Real foi o financeiro". É o contrário. A participação do sistema financeiro no PIB caiu à metade depois do plano.
Houve críticas sérias, mas várias constituíram simplificações grosseiras. Muitas estavam influenciadas por nossa herança estatista: acontece o que o governo quiser, em especial o desenvolvimento.
É pura miopia não enxergar as transformações positivas que a estabilidade vem causando na economia e na sociedade. É verdade que muitas delas já vinham acontecendo desde os anos 80, mas o Plano Real as evidenciou e lhes deu maior velocidade e amplitude.
A estabilidade, obtida em sua maior parte com a valorização cambial e a abertura econômica, recuperou a memória de preços relativos e produziu a maior mudança estrutural já experimentada pelo setor privado em tão curto período de tempo.
Vigoram novos paradigmas, principalmente a competição, um elemento que quase não existia na economia brasileira. As histórias de sucesso, e são muitas, mostram um empresariado competente, aguerrido, inovador. O Brasil está mudando para melhor.
Como em todo o processo de transformação, há custos. Não dá para falar em prejuízo, como o deputado Genoino e outros críticos, pois esse é um conceito de balanço de empresas inaplicável a órgãos governamentais responsáveis pela geração de bens públicos.
Há também benefícios (não lucros), que superam sobejamente os custos. Acontece que os custos estão concentrados em grupos organizados na economia e na classe política, os quais detêm elevada capacidade de exteriorizar suas lamúrias e seus ressentimentos.
Há finalmente o andamento lento das reformas -especialmente no campo tributário e previdenciário para restaurar a capacidade de gestão das finanças públicas, aumentar a taxa de poupança e impulsionar os ganhos de produtividade e competitividade.
Diferentemente do que se disse, é essa lentidão que inibe o crescimento, a geração de empregos e o aumento do bem-estar, e não a estabilidade gerada pelo Plano Real.


Mailson da Nóbrega, 57, ex-ministro da Fazenda (governo José Sarney), sócio da Tendências Consultoria Integrada, escreve às sextas-feiras nesta coluna.
E-mail: mailson@palavra.inf.br


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