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OPINIÃO ECONÔMICA
Maldito Plano Real
MAILSON DA NÓBREGA
O título deste artigo poderia
ter sido usado por muitos que
falaram ou escreveram sobre o
Plano Real em seu quinto aniversário. Uns procuraram realçar o que consideram erros do
presidente e da equipe econômica.
Outros disseram que males como o desemprego, a estagnação
econômica e a concentração de
renda foram causados pelo plano. Com um pouco mais de imaginação concluiriam que o plano é a causa do desmatamento
da Amazônia.
Houve teorias políticas e números incríveis. Voltou-se a falar em perdas de US$ 100 bilhões
na crise cambial, quintuplicação da dívida pública e quejandos. O plano foi acusado de deixar 10 milhões sem emprego. Arrasador, não?
Dá para compreender muitas
dessas análises, até porque
guardam coerência com posições conhecidas de seus autores.
A maioria é sincera, ainda que
não conheça certas especificidades do setor público brasileiro e
menospreze a complexidade do
processo decisório sob democracia, particularmente em um país
em processo de construção institucional.
Dá, portanto, para entender.
Em certos casos, a crítica reforça
pontos de vista individuais e
convence adicionalmente os
seus formuladores.
A análise do deputado José Genoino (PT-SP), parlamentar lúcido por quem nutro admiração
e respeito, foi decepcionante.
Sua lamentável apreciação saiu
em artigo no "O Estado de S.
Paulo" de 26/6/99, intitulado
"Plano Real, nada a comemorar".
Genoino viu apenas defeitos
no Plano Real. No máximo, admitiu que teria havido uma sensação de riqueza no início, mas
logo em seguida emendou: "Do
ponto de vista da realidade efetiva das coisas, o Real era uma
fantasia".
Baseado em análise equivocada de Antoninho Trevisan, afirmou que "a sensação de riqueza
foi sustentada por um processo
de endividamento que hipoteca
o futuro das novas gerações".
Foi além da já popular, mas improcedente, tese da quintuplicação: o endividamento teria pulado de R$ 60 bilhões para R$
400 bilhões.
O deputado não dá crédito sequer à engenhosa passagem da
moeda antiga para a nova, via
URV, cujo mérito nem os mais
ferrenhos críticos jamais deixaram de reconhecer. Para ele, a
queda da inflação foi reles "consequência da brutal recessão e
do desemprego". E, acrescentou,
"da sistemática quebra da base
produtiva nacional".
Genoino menciona os mesmos
R$ 100 bilhões de prejuízos com
a crise cambial, uma inverdade
que de tanto repetida em notas e
editoriais está virando verdade
cristalina. Para ele, "o único setor que ganhou com a "fantasia"
do Real foi o financeiro". É o
contrário. A participação do sistema financeiro no PIB caiu à
metade depois do plano.
Houve críticas sérias, mas várias constituíram simplificações
grosseiras. Muitas estavam influenciadas por nossa herança
estatista: acontece o que o governo quiser, em especial o desenvolvimento.
É pura miopia não enxergar as
transformações positivas que a
estabilidade vem causando na
economia e na sociedade. É verdade que muitas delas já vinham acontecendo desde os
anos 80, mas o Plano Real as evidenciou e lhes deu maior velocidade e amplitude.
A estabilidade, obtida em sua
maior parte com a valorização
cambial e a abertura econômica, recuperou a memória de preços relativos e produziu a maior
mudança estrutural já experimentada pelo setor privado em
tão curto período de tempo.
Vigoram novos paradigmas,
principalmente a competição,
um elemento que quase não
existia na economia brasileira.
As histórias de sucesso, e são
muitas, mostram um empresariado competente, aguerrido,
inovador. O Brasil está mudando para melhor.
Como em todo o processo de
transformação, há custos. Não
dá para falar em prejuízo, como
o deputado Genoino e outros
críticos, pois esse é um conceito
de balanço de empresas inaplicável a órgãos governamentais
responsáveis pela geração de
bens públicos.
Há também benefícios (não
lucros), que superam sobejamente os custos. Acontece que os
custos estão concentrados em
grupos organizados na economia e na classe política, os quais
detêm elevada capacidade de
exteriorizar suas lamúrias e
seus ressentimentos.
Há finalmente o andamento
lento das reformas -especialmente no campo tributário e
previdenciário para restaurar a
capacidade de gestão das finanças públicas, aumentar a taxa
de poupança e impulsionar os
ganhos de produtividade e competitividade.
Diferentemente do que se disse, é essa lentidão que inibe o
crescimento, a geração de empregos e o aumento do bem-estar, e não a estabilidade gerada
pelo Plano Real.
Mailson da Nóbrega, 57, ex-ministro da Fazenda (governo José Sarney), sócio da Tendências Consultoria Integrada, escreve às sextas-feiras nesta coluna.
E-mail: mailson@palavra.inf.br
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