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OPINIÃO ECONÔMICA
Idéias caídas do céu
JOÃO SAYAD
Deus criou o mundo em seis
dias e descansou. Deu patas
aos animais que andam sobre a
terra, escamas e nadadeiras aos
peixes. Animais que vivem no
mar e andam sobre patas, como a
lagosta, ou peixes que não têm escamas não obedeceram à organização divina do mundo -são
obras do diabo. Por isso, não podiam fazer parte da dieta dos judeus.
Imagina-se que o dogma reflete
a sabedoria antiga sobre saúde
pública. Mas historiadores afirmam que porcos, por exemplo,
proibidos na dieta dos judeus,
eram menos sujeitos a doenças
nos tempos bíblicos do que bois e
cavalos. A dieta foi derivada de
uma interpretação particular da
cosmogonia bíblica -peixes no
mar, animais na terra e aves no
céu.
Jesus, Deus feito Homem, foi
crucificado em Jerusalém. Portanto Jerusalém deve ser o centro
da Terra, e a Terra, o centro do
mundo, imóvel e em torno da
qual giram todos os corpos celestes. Galileu negou o que havia
descoberto -que a Terra era móvel- para salvar a própria vida.
O dogma da Igreja Católica era
descartável. Precisava ser mantido apenas para salvar a "credibilidade" dos intérpretes católicos
da Bíblia naquela época.
Se o Vietnã fosse tomado pelos
comunistas, a China controlaria
o sudeste da Ásia e, depois, o
mundo. Os países da Ásia cairiam
sob o domínio comunista, um
após o outro, como peças enfileiradas de um jogo de dominó. Milhares de americanos morreram,
e os Estados Unidos foram derrotados sem saber que, por mil anos,
os vietnamitas se opuseram à poderosa China vizinha. O Vietnã
jamais se prestaria a ser a primeira peça a cair no jogo de dominó.
Hoje, a China é o centro dinâmico
da expansão do capitalismo
mundial. Mas a guerra dolorosa
foi até o fim para salvar a imagem política dos seus defensores.
Materialistas afirmam que as
idéias não caem do céu. São peças
que se encaixam perfeitamente
para atender os interesses do capital. Não há espaço para engano,
estultice ou dogmatismo redundante. Os juros altos brasileiros
devem servir ao interesse dos bancos, do capital ou de alguma outra coisa.
O total de despesas do governo é
pago ou por impostos, ou por dívida pública, ou por dinheiro emitido. A parcela paga por impostos
não causa inflação, pois o gasto
do governo é compensado pelo
imposto que o setor privado pagou e não pode gastar. O dogma
monetarista afirma que, se for pago por dívida pública, é compensado pelo dinheiro que o setor privado aplicou na dívida pública e,
portanto, não pode mais gastar.
Nos EUA, os fundos de investimento em Treasury Bills garantem liquidez imediata aos compradores de dívida pública. Na
economia capitalista, todas as
coisas, mercadorias ou títulos de
crédito, procuram a liquidez. A
dívida pública americana não
"enxuga a liquidez".
A dívida pública brasileira tem
prazo muito curto, é indexada
aos juros do dia ou à taxa de inflação. Tem todas as características do dinheiro -pode ser usada
imediatamente pelo seu portador
para comprar uma casa, uma
ação, pagar a conta de luz ou
uma viagem de férias.
Pagar as despesas do governo
com dívida pública ou com dinheiro não faz muita diferença
para a liquidez do setor privado.
É trocar seis por meia dúzia. Se os
juros são impagáveis mesmo com
superávit primário de 4,5%, o saldo da dívida pública aumenta e,
conseqüentemente, aumenta a liquidez da economia.
Mas a "boa teoria monetária
brasileira" continua insistindo
em financiar o governo por títulos
da dívida pública com juros impagáveis para evitar o "excesso de
liquidez" que se transformaria
em inflação.
O resultado é falta de crédito
para o setor privado, crescimento
da dívida pública e crise financeira no setor público, que precisa
arrecadar cada vez mais impostos
e economizá-los para pagar uma
conta de juros cada vez maior.
A quem serve a política de juros
altos? O economista da Febraban
afirma na Folha que a redução
dos juros é questão de "determinação", ou seja, vontade. Os juros
dos bancos privados são altos por
causa de reservas compulsórias
(boa parte aplicada em títulos
públicos), impostos sobre transações (necessários para pagar os
juros da dívida pública). É um
circulo vicioso que precisa ser
rompido.
Grandes bancos brasileiros criticam os juros altos. Grande parte
dos seus ativos está investida em
crédito para o governo, dívida pública. A manutenção dos juros altos e impagáveis torna a dívida
pública pouco atraente. Professores laureados na academia internacional criticam os juros altos
do Brasil.
Qual a boa explicação materialista para os juros escorchantes?
Só o Banco Central do Brasil defende os juros que pratica. Defende a qualquer custo a interpretação particular do regime de metas
de inflação que escolheu para o
caso brasileiro.
O Copom afirma que a inflação
pode ser maior do que a meta de
4,5% porque a indústria brasileira está utilizando totalmente a
capacidade de produção. Precisa
investir para garantir o famoso
crescimento sustentado. A última
ata do Copom ameaça aumentar
os juros ainda mais. Como investir com juros reais de 10% ao ano?
A solução é simples: reduzir os
juros e se livrar do dogma caro e
perigoso que só interessa às autoridades que escolheram a forma
errada de aplicar o regime de metas de inflação no Brasil.
João Sayad, 57, economista, é professor
da Faculdade de Economia e Administração da USP. Escreve às segundas-feiras, a
cada 15 dias, nesta coluna.
E-mail: jsayad@attglobal.net
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