São Paulo, sexta-feira, 02 de setembro de 2005

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ANÁLISE

Negociação pode avançar com nova liderança

PHILIPPE LEGRAIN
PARA O "FINANCIAL TIMES"

Desde ontem, as perspectivas pouco favoráveis quanto a um comércio mundial mais livre passaram a depender de um socialista francês. Com o impasse na rodada Doha da OMC (Organização Mundial de Comércio) e restando pouco tempo para um acordo, o novo comandante da OMC, Pascal Lamy, enfrenta um desafio intimidador.
A menos que o antigo comissário de Comércio da União Européia consiga romper o impasse, as esperanças de um desfecho favorável para Doha se esvairão. Isso representaria um desastre para a economia mundial e para os países em desenvolvimento.
Os augúrios não são favoráveis. Os ganhos que o comércio mais livre propiciaria aos países pobres são imensamente superiores aos que uma ampliação da assistência internacional ou o perdão de dívidas propiciariam.
Mas, na conferência de cúpula do G8 (Grupo dos 8) em Gleneagles, em julho, os líderes nem mesmo conseguiram definir uma data para eliminar os subsídios dos países ricos à exportação de produtos agrícolas.
O G20 (grupo de 20 países em desenvolvimento exportadores de produtos agrícolas) exige grandes cortes nos subsídios e tarifas empregados pelos países ricos, mas a UE e os EUA estão alongando o processo, discutindo detalhe por detalhe.
Os países em desenvolvimento se recusam a oferecer grandes cortes em suas tarifas de importação de bens industrializados. As ofertas de abertura dos mercados de serviços à competição internacional são escassas. A falta de progresso se deve em parte à adoção de blefes e táticas de pressão.
Mas o tempo está se esgotando. A menos que Lamy seja capaz de um passe de mágica quando os negociadores voltarem a se encontrar no final deste mês, Hong Kong será uma repetição do fiasco de Cancún, dois anos atrás.
Os otimistas argumentam que o sucesso do presidente George W. Bush em convencer o Congresso recalcitrante a aprovar o Cafta-DR (Acordo de Livre Comércio da América Central e República Dominicana) é um bom presságio para as negociações da OMC.
Talvez. O mais provável é que o Cafta-DR coloque em destaque os limites daquilo que o governo dos EUA pode esperar em termos de realizações comerciais.
E mesmo que os países do Cafta-DR sejam pequenos a ponto de representar ameaça limitada aos agricultores e industriais dos Estados Unidos, o Cafta-DR foi aprovado por maioria de apenas dois votos na Câmara. Que chance haveria, portanto, de o governo procurar um acordo ambicioso na rodada Doha, que poderia levar a competição ainda mais acirrada com a China?
Muitos europeus temem que a globalização represente ameaça ao seu estilo de vida confortável. Perderam a confiança nas elites políticas, mas não estão convencidos de que as reformas econômicas possam ser combinadas à justiça e segurança social.
Se o objetivo é o sucesso na rodada Doha, será preciso mais que um acordo mercantilista barganhado entre grupos de interesses como os agricultores brasileiros, os industriais chineses, as seguradoras européias e o varejo dos Estados Unidos. Os líderes políticos também têm de persuadir os eleitores de que a globalização é oportunidade, que as florescentes e baratas exportações chinesas são vantajosas para todos os envolvidos e que o livre comércio não é um despenhadeiro, mas uma escada aberta a todos.
Lamy deveria servir como exemplo, se deseja liderar. Ainda que tenha poucos poderes formais, esse veterano aliado dos fazendeiros franceses poderia provar que os céticos estão enganados e se tornar um vigoroso defensor do livre comércio.


O autor foi assessor especial do diretor geral da OMC Mike Moore e escreveu "Open World: The Truth About Globalization" [Mundo Aberto: A Verdade Sobre a Globalização]

Tradução de Paulo Migliacci


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