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OPINIÃO ECONÔMICA
A desindustrialização
como projeto
RUBENS RICUPERO
A desindustrialização
prematura do Brasil e do Cone Sul é produto de erros de política econômica, não de processo virtuoso como o atingimento de alto
nível de renda per capita. Tampouco é fruto da "doença holandesa", isto é, a descoberta de petróleo
ou gás conduzindo a desleixo em
relação à busca de saldo na exportação de manufaturas.
Entre nós, não houve descobertas
como a que deu nome à doença
-a das jazidas de gás no mar do
Norte, na década de 70. É recente,
sobretudo de 98 para cá, o aparecimento de saldos de commodities
agrícolas e minerais capazes de
compensar os déficits em manufaturas, ao passo que o declínio da
indústria na geração do emprego e
do PIB data das mudanças de política a partir da crise da dívida de
82. No máximo se poderia afirmar
que os saldos produzidos pelos produtos primários criaram falsa sensação de segurança, somando-se às
causas que já vinham provocando
a destruição ou o encolhimento de
vastos setores da indústria.
Não é coincidência que o declínio
industrial venha ocorrendo ao
mesmo tempo que a estagnação, o
crescimento baixo, o desemprego
estrutural ao nível de 10%. Essas
marcas das décadas perdidas ou
semiperdidas estão associadas à
decadência da indústria.
Não é indiferente que o crescimento da economia e das exportações se dê no setor primário ou na
indústria. Conforme ensinaram os
mestres do desenvolvimento, de
Kalecki a Kaldor, de Hirshman a
Prebisch, a qualidade da acumulação de capital depende do setor
manufatureiro. Em outras palavras, a estrutura do PIB, a proporção proveniente da indústria é que
vai determinar, na fase de desenvolvimento, a capacidade de gerar
tecnologia, de aumentar a produtividade e de dar sustentabilidade
ao balanço de pagamentos.
Se fosse irrelevante que o crescimento seja puxado pelo setor primário, o Brasil deveria estar hoje
como os EUA, pois desde o açúcar
em Pernambuco, no século 17, passando pelo ouro e os diamantes de
Minas, a borracha da Amazônia, o
café do Rio e São Paulo, as commodities sempre geraram fartos saldos
comerciais. Isso não é novidade
nem foi inventado pelo agronegócio da soja ou pelo minério do ferro
da Vale. Se existisse a suposta maldição das riquezas naturais, ela teria impedido a industrialização
brasileira no nascedouro. A verdade é que a industrialização foi possibilitada pela produtividade e pelos saldos do setor primário complementados pelas políticas adequadas em matéria comercial e industrial. Foi a liquidação sistemática dessas políticas que pôs em
marcha a desindutrialização precoce. Trata-se de "destruição não-criativa", acelerada por dois fatores adicionais: os choques dos juros, do câmbio e dos impostos e a
"financialização", fenômeno pelo
qual o setor financeiro esmaga pela dimensão e domínio os demais
setores da economia, obrigando
até as empresas não-financeiras a
ingressar nesse setor.
Daí o título do artigo: a desindustrialização se origina na política econômica e é fruto inelutável,
embora implícito, desse contraprojeto de país, cujo desdobramento é
a proposta da Fazenda para reduzir as tarifas industriais. O "timing" não poderia ser mais inoportuno. A taxa de câmbio mergulha para o fundo do bueiro dos R$
2, motivando, no segredo das empresas, decisões de suspender projetos de exportações ou de atribuir a
filiais na Ásia ou Turquia a tarefa
de exportar para mercados antes
abastecidos pelo Brasil. Tenta-se
convencer a China a não continuar a elevar em 47% suas exportações, quase só de manufaturas,
enquanto as nossas, de commodities, cresceram só 6%.
No momento em que o Senado
americano ameaça adotar a
emenda Schumer, que taxa em
27,5% as importações da China, a
fim de compensar a moeda chinesa
desvalorizada, o Brasil despacha
um ministro a Pequim para implorar misericórdia, enquanto o presidente do BC assiste impávido ao
desabamento do dólar e o ministro
da Fazenda quer escancarar mais
a porta aos manufaturados estrangeiros, em essência chineses. Se isso
não é política de desindustrialização, só pode ser a marcha da humana insensatez.
Rubens Ricupero, 68, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco). Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.
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