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ARTIGO
O fim de uma era?
RICARDO CARNEIRO
ESPECIAL PARA A FOLHA
HÁ CERCA de 30
anos, em outubro
de 1979, a guinada
radical da política monetária americana, comandada
por Paul Volcker, marcou o
início da reafirmação econômica americana no plano
internacional, e uma nova
forma de operação do capitalismo, constituindo um
marco simbólico do início
da globalização. Aos que estão presenciando, há um
ano, os fatos dramáticos nos
mercados financeiros, cabe
perguntar se um deles ou o
seu conjunto marca o fim de
uma era.
A resposta à pergunta não
é trivial e, a rigor, talvez não
possa ser dada de imediato.
Trata-se menos de impossibilidade determinada pela
contemporaneidade dos fatos e mais pelo caráter múltiplo das saídas que se colocarão aos eventos do último
ano. Dito de outra forma,
não há, no desenrolar da
crise financeira recente, soluções indisputáveis. A natureza do sistema que se porá no seu lugar será produto
da correlação de forças políticas e, por que não dizer, da
capacidade dos setores progressistas da sociedade, em
particular da americana, de
regular as finanças.
A recusa inicial do socorro ao sistema financeiro por
parte da Câmara dos Deputados constitui uma ilustração da natureza das alternativas em questão. Para analisar os interesses em jogo, é
necessário destacar o caráter indispensável dessa ajuda, o que, porém, em nada
elucida a forma específica
que deve assumir o pacote.
É forçoso reconhecer que
a intervenção do Estado nos
mercados é crucial para deter a exacerbação das perdas. Mas é indispensável reconhecer as implicações da
forma do auxílio no que tange à distribuição das perdas
já ocorridas.
Como arbitrá-las?
O governo de George W.
Bush fez a sua proposta, pela qual o Tesouro americano transferiria para um fundo a quantia de US$ 700 bilhões, a serem utilizados na
compra de títulos de pior
qualidade das instituições
financeiras, estancando
suas perdas e evitando a
contaminação de outros títulos e agentes.
Várias críticas têm sido
endereçadas à proposta,
muitas delas com um nítido
sabor moral, ou mesmo fundamentalista, como é o caso
daqueles que acreditam que
o Estado jamais deveria interferir nos mercados.
Defeitos
Contudo, é preciso reconhecer que a proposta Bush-Paulson tem vários defeitos.
Por estar centrada exclusivamente na compra de ativos
podres, ela pode não ser suficiente para deter o aprofundamento das perdas, exigindo mais recursos, sempre demandados com a urgência da
iminência da catástrofe.
Por sua vez, se bastar, ela
poderá não resolver a questão crucial da retomada dos
financiamentos à economia
em razão da excessiva descapitalização das instituições
financeiras, além de jogar toda a conta exclusivamente
nas costas do Tesouro americano.
Com base nas objeções anteriores, economistas americanos têm insistido na alternativa de conceder a ajuda
com outro formato, qual seja,
a da capitalização das instituições em dificuldades.
O Tesouro dos Estados
Unidos aportaria os recursos
na forma de capital, e viraria,
ao menos temporariamente,
sócio das mesmas. A injeção
de capital, na magnitude proposta, elevaria o nível de confiança do sistema, permitindo mesmo a retomada de financiamentos.
Além disso, reforçaria o
poder do Tesouro na arbitragem das perdas, por torná-lo
ator essencial na administração dos ativos e passivos das
instituições.
As opções discutidas acima podem parecer excessivamente técnicas e irrelevantes, mas não são. Da sua
escolha, somada a outras
tantas que se porão no futuro
imediato, emergirá um novo
formato das finanças. Só a
partir daí poder-se-á responder a questão da emergência
de uma nova era.
RICARDO CARNEIRO é professor titular do
Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica da Unicamp
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