São Paulo, quinta-feira, 02 de outubro de 2008

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ARTIGO

O fim de uma era?

RICARDO CARNEIRO
ESPECIAL PARA A FOLHA

HÁ CERCA de 30 anos, em outubro de 1979, a guinada radical da política monetária americana, comandada por Paul Volcker, marcou o início da reafirmação econômica americana no plano internacional, e uma nova forma de operação do capitalismo, constituindo um marco simbólico do início da globalização. Aos que estão presenciando, há um ano, os fatos dramáticos nos mercados financeiros, cabe perguntar se um deles ou o seu conjunto marca o fim de uma era.
A resposta à pergunta não é trivial e, a rigor, talvez não possa ser dada de imediato.
Trata-se menos de impossibilidade determinada pela contemporaneidade dos fatos e mais pelo caráter múltiplo das saídas que se colocarão aos eventos do último ano. Dito de outra forma, não há, no desenrolar da crise financeira recente, soluções indisputáveis. A natureza do sistema que se porá no seu lugar será produto da correlação de forças políticas e, por que não dizer, da capacidade dos setores progressistas da sociedade, em particular da americana, de regular as finanças.
A recusa inicial do socorro ao sistema financeiro por parte da Câmara dos Deputados constitui uma ilustração da natureza das alternativas em questão. Para analisar os interesses em jogo, é necessário destacar o caráter indispensável dessa ajuda, o que, porém, em nada elucida a forma específica que deve assumir o pacote.
É forçoso reconhecer que a intervenção do Estado nos mercados é crucial para deter a exacerbação das perdas. Mas é indispensável reconhecer as implicações da forma do auxílio no que tange à distribuição das perdas já ocorridas.
Como arbitrá-las?
O governo de George W. Bush fez a sua proposta, pela qual o Tesouro americano transferiria para um fundo a quantia de US$ 700 bilhões, a serem utilizados na compra de títulos de pior qualidade das instituições financeiras, estancando suas perdas e evitando a contaminação de outros títulos e agentes.
Várias críticas têm sido endereçadas à proposta, muitas delas com um nítido sabor moral, ou mesmo fundamentalista, como é o caso daqueles que acreditam que o Estado jamais deveria interferir nos mercados.

Defeitos
Contudo, é preciso reconhecer que a proposta Bush-Paulson tem vários defeitos.
Por estar centrada exclusivamente na compra de ativos podres, ela pode não ser suficiente para deter o aprofundamento das perdas, exigindo mais recursos, sempre demandados com a urgência da iminência da catástrofe.
Por sua vez, se bastar, ela poderá não resolver a questão crucial da retomada dos financiamentos à economia em razão da excessiva descapitalização das instituições financeiras, além de jogar toda a conta exclusivamente nas costas do Tesouro americano.
Com base nas objeções anteriores, economistas americanos têm insistido na alternativa de conceder a ajuda com outro formato, qual seja, a da capitalização das instituições em dificuldades.
O Tesouro dos Estados Unidos aportaria os recursos na forma de capital, e viraria, ao menos temporariamente, sócio das mesmas. A injeção de capital, na magnitude proposta, elevaria o nível de confiança do sistema, permitindo mesmo a retomada de financiamentos.
Além disso, reforçaria o poder do Tesouro na arbitragem das perdas, por torná-lo ator essencial na administração dos ativos e passivos das instituições.
As opções discutidas acima podem parecer excessivamente técnicas e irrelevantes, mas não são. Da sua escolha, somada a outras tantas que se porão no futuro imediato, emergirá um novo formato das finanças. Só a partir daí poder-se-á responder a questão da emergência de uma nova era.


RICARDO CARNEIRO é professor titular do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica da Unicamp


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