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São Paulo, domingo, 02 de novembro de 2003

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NA RETRANCA

Dez meses após a posse, diretrizes ainda não saíram do papel; dividido, governo limitou-se a apagar incêndios

Crise e divergência travam política industrial

SANDRA BALBI
DA REPORTAGEM LOCAL

O prometido programa de política industrial do governo Lula ainda não saiu da prancheta, passados dez meses da posse.
Sem a definição das linhas mestras para alavancar o crescimento sustentado, a área econômica jogou na defensiva até agora.
Segundo empresários e especialistas ouvidos pela Folha, as definições estão atrasadas e, na ausência de uma política industrial ativa, prevaleceram o socorro e a influência dos lobbies.
Na prática, atropelado pelas crises do setor elétrico, da aviação e pela estagnação do consumo, o governo petista apagou incêndios. A ministra Dilma Rousseff, de Minas e Energia, que antes da posse afirmava que não haveria socorro para as distribuidoras de energia, acabou admitindo a gravidade dos problemas do setor.
O programa de capitalização das distribuidoras, fechado em setembro com a liberação de R$ 3 bilhões do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), marcou a rendição pelo PT do discurso político à prática administrativa.
"O setor precisa de um ambiente para que, na expansão da economia e do mercado consumidor de energia, as empresas tenham condições de andar com as próprias pernas", disse Rousseff, em recente seminário em São Paulo.
Segundo Júlio Gomes de Almeida, economista do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), na mesma linha de política reativa ocorreu a redução do IPI para os automóveis, que termina no final deste mês, o pacote de crédito para a compra de eletroeletrônicos e a prorrogação, por dez anos, da Lei de Informática.
A medida mais pró-ativa adotada até o momento pelo governo em matéria de industrial acabou dando dores de cabeça. A exigência de conteúdo nacional mínimo nas licitações para a construção de plataformas de petróleo da Petrobras resultou num aumento de preços na primeira licitação feita.
O grupo Fels Setal-Tecnique (Brasil-Cingapura e França), que ganhou a licitação para a construção e a integração do casco e do convés da plataforma P-52, fixou em US$ 774,9 milhões o valor da obra. O mercado calculava um custo de US$ 520 milhões. A Petrobras negocia com os vencedores uma redução no preço.

Desconto
Divergências políticas e ideológicas entre a vertente "financista" do PT e os "desenvolvimentistas" também entravaram a discussão do programa de política industrial. No Ministério da Fazenda e no Banco Central predomina a visão de que, uma vez debelada a crise financeira e garantida a estabilidade do câmbio e dos preços, o resto viria por derivação.
No entanto, outras áreas do governo e mesmo do empresariado vêem a necessidade de o Estado ter políticas indutoras do crescimento e linhas de financiamento que dêem prioridade a setores capazes de disputar espaço no mercado global e reduzir a chamada "vulnerabilidade externa" do país (sucessivos déficits em transações com o exterior que geram a dependência de capitais estrangeiros de curto prazo).
"O Brasil precisa ter empresas transnacionais, capazes de competir em escala mundial nos setores de siderurgia, mineração e petroquímica", defende Alexandrino de Alencar, vice-presidente da Braskem, o maior grupo petroquímico do país. "Temos de escolher quais empresas serão campeãs no futuro", acrescenta.
A posição do BNDES -o maior banco de fomento do país- é listar setores prioritários para aportar recursos. "Hoje as decisões do banco são tomadas com base em análise das necessidades específicas de uma empresa ou setor", diz Fábio Erber, diretor da área de indústria do banco.
Erber participa das discussões do programa de política industrial, iniciadas há cerca de três meses e que envolvem técnicos do ministérios da Fazenda, do Planejamento, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e o de Ciência e Tecnologia.
Nessas discussões, a posição do banco é que se estabeleçam setores prioritários para alocação de seus recursos. "Na nossa visão, os setores prioritários são os que contribuem para reduzir a vulnerabilidade externa [exportadores], os que sejam capazes de fazer uma substituição de importações [componentes eletrônicos, softwares e bens de capital] e que gerem insumos capazes de beneficiar a população de baixa renda [saneamento]", diz Erber.
Hoje, segundo ele, não há divergências sobre os rumos do programa. Mas a Folha apurou que é justamente na determinação dos setores a serem eleitos como prioritários que reside hoje o principal nó da discussão. Teme-se a reação negativa das empresas dos segmentos não contemplados. Por isso, o programa a ser divulgado pelo governo deverá enfatizar as políticas "horizontais", que beneficiarão a todos.

Sem banho-maria
O governo defende-se com a promessa de que explicitará as condições e vantagens de sua política industrial ainda neste mês -mais especificamente no próximo dia 19. Nesse dia, será fechado documento elaborado por quatro ministérios definindo políticas globais para o desenvolvimento e os recursos que serão canalizados a setores estratégicos.
"A política industrial não está em banho-maria, ela sairá do papel no início do ano que vem", diz o assessor econômico do Ministério do Planejamento, José Carlos Miranda.


Colaborou Marta Salomon, da Sucursal de Brasília


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