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ANÁLISE
Déficit dos EUA é sustentável e lógico
RICHARD COOPER
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"
O déficit em conta corrente
dos Estados Unidos -o excedente do que os americanos
gastam em bens, serviços e fundos transferidos para o exterior
sobre o que o país ganha do resto
do mundo- hoje supera US$ 500
bilhões por ano, ou 5% do Produto Interno Bruto. Seu tamanho
inédito permite que muitos países
tenham superávits que de outra
forma não seriam possíveis.
Tornou-se "sabedoria convencional", para usar o termo memorável de Kenneth Galbraith, acreditar que o déficit americano é insustentável, com a implicação de
que, com mudanças de políticas
ou de crises financeiras, ele deve
decair significativamente.
Eu discordo. Para entender por
quê, suponha que o déficit continue indefinidamente em US$ 500
bilhões e examine primeiro de
uma perspectiva dos EUA e depois pela do restante do mundo.
Suponha, como é razoável, que
a economia americana tem uma
tendência de crescimento de 5%
ao ano, mais de 3% em termos
reais e 2% de inflação ou pouco
menos. Um déficit em conta corrente significa que o mundo está
investindo na economia americana, comprando todo tipo de bens
- títulos, ações, e até dólares.
Quais são as implicações de
nossas suposições de um déficit
indefinido de US$ 500 bilhões por
ano e 5% de crescimento? Se o déficit em conta corrente permanecer constante e o PIB crescer todo
ano, a proporção entre os direitos
externos líquidos e o PIB americano -uma proporção usada por
muitos economistas para avaliar a
sustentabilidade- aumentará
até alcançar o pico de 46% depois
de 15 a 16 anos, após os quais ela
declinará indefinidamente.
Os estrangeiros terão então
uma participação maior, de pouco menos de 20%, no estoque de
capital físico da América (edifícios e equipamentos) que os direitos dos Estados Unidos no exterior, supondo que a propriedade
seja toda direta. Mas a economia
americana tem diversas camadas
de bens financeiros, hoje avaliados em mais que o triplo do valor
do estoque de capital, e crescendo. Isso significa que a propriedade de cerca de 20% do estoque de
capital em termos líquidos vale
menos que 10% do total dos bens
financeiros dos Estados Unidos.
O rendimento desses bens representaria direitos sobre a produção
americana, reduzindo os rendimentos americanos relativos ao
nível em que estariam se os americanos possuíssem mais desses
direitos. No entanto, esses direitos quase certamente tornariam
as rendas americanas maiores do
que elas teriam sido se outros países tivessem investido menos na
economia americana, dependendo do valor que os americanos teriam investido na ausência de investimento estrangeiro.
O atual déficit em conta corrente, enquanto por nossas suposições é constante em termos de dólares, cairá constantemente como
parcela do PIB (em constante
crescimento), atingindo 2,2% em
2018, quando a proporção entre
direitos e o PIB chegar ao pico. O
déficit comercial, enquanto isso,
precisaria diminuir conforme aumentam os ganhos dos estrangeiros em investimentos nos Estados
Unidos. Essa trajetória parece insustentável? Embora seja possivelmente indesejável, não é insustentável. Essa tese é reforçada
quando consideramos como o
resto do mundo gera cerca de US$
6 trilhões por ano em poupança.
A maior parte dessa é investida localmente, mas o déficit em conta
corrente dos Estados Unidos significa que parte dela também é investida nos país -pouco mais de
10% se admitirmos que os americanos também investem parte de
sua poupança no exterior.
Retornos maiores
A economia americana responde por bem mais de um quarto da
economia mundial, e cerca de
metade de seus bens financeiros
negociáveis. Além disso, ela oferece retornos maiores sobre investimentos reais do que a Europa ou
o Japão, e oferece mais confiabilidade e segurança nesses retornos
do que os mercados emergentes.
É inconcebível, no mundo cada
vez mais globalizado de hoje, que
os poupadores queiram colocar
de 10% a 15% de suas poupanças
na economia americana, uma
parcela que diminui com o tempo? O grande pool de poupança
na China e na Índia, em rápido
crescimento, ainda foi muito pouco utilizado, restringidos por controles cambiais. As oportunidades de investimento na economia
americana seriam altamente
atraentes para muitos chineses e
indianos que enriqueceram recentemente. O Japão e a China lideraram os acumuladores de reservas em dólares, mas dezenas
de outros países, incluindo a Índia, aumentaram significativamente suas reservas.
Seus motivos derivam puramente do desejo de inibir as valorizações da moeda que prejudicam as exportações. Essa não é
uma estratégia tola.
Como os comentaristas notam
freqüentemente, o constante déficit em conta corrente reflete uma
deficiência de poupança nos EUA
em relação aos investimentos no
país. No entanto, também reflete
um excesso de poupança no resto
do mundo em relação aos investimentos no resto do mundo. Qualquer tentativa de reduzir abruptamente o déficit americano, que
não seja por meio de um aumento
espontâneo mas improvável no
investimento doméstico em muitos outros países, sem dúvida produziria uma recessão mundial.
Richard Cooper é professor de economia
na Universidade Harvard e ex-subsecretário de Assuntos Econômicos dos EUA.
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