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LUÍS NASSIF
O magrinho elétrico
Dentre todos os gêneros
da música popular brasileira, nenhum se tornou tão popular quanto as marchinhas de
Carnaval, um gênero que começa a se desenvolver nos anos 30,
mantém a vitalidade até meados dos anos 60, depois fenece.
Mais do que qualquer outro
gênero, a marchinha reflete magistralmente o espírito carioca
do período, a malícia, a malandragem simpática, a verve imbatível. Dentre os cantores, nenhum conseguiu encarnar melhor esse espírito do que Joel de
Almeida, o "Magrinho Elétrico", rei da marchinha, sambista
dos mais inspirados, proveniente de uma família extremamente musical. Seu irmão Janet de
Almeida foi um dos criadores do
samba sincopado, e falecido antes dos 30 anos.
A estupenda coleção do Senac,
de programas de Fernando Faro, preparados pelo produtor José Carlos Botezelli, o Pelão, em
sua última edição traz uma síntese do programa de Joel de Almeida, que é para ouvir sem parar.
Joel não foi apenas o cantor de
marchinhas, mas um seguidor
fiel do samba sincopado inaugurado por Luiz Barbosa, seu
grande ídolo. Foi com Barbosa
que aprendeu a fazer o ritmo no
chapéu de palheta, e tornou-se,
por acaso, ritmista de uma gravação histórica, o "Na Pavuna",
que praticamente inaugurou o
estilo samba urbano no país, e
foi a primeira a ter o bumbo na
marcação, em gravação de estúdio.
Nascido em Vila Isabel, Joel
foi amigo e contemporâneo de
Noel Rosa e de toda a chamada
geração de ouro da música brasileira. Na época, estavam em
voga as duplas masculinas de
cantores. A mais famosa, mas
de vida breve, foi a de Francisco
Alves e Mário Reis interpretando clássicos de Ismael Silva. Na
sua cola, surgiu a dupla Jonjoca
e Castro Barbosa, quase uma
xerocópia autenticada da primeira.
Em 1930, logo após a revolução, chegou ao Rio de Janeiro
um soldado gaúcho de farda,
violão e voz. Era Francisco de
Paulo Rangel. Conheceram-se e
surgiu a dupla Joel e Gaúcho,
que, ao lado da breve dupla Mário Reis e Francisco Alves, se
constituiria no mais famoso duo
masculino da história da música brasileira.
Começaram a trabalhar na
rádio Phillips do Rio, no programa do Case o grande homem do
rádio brasileiro. Seu primeiro
sucesso foi em 1935 com um
samba sincopado dos mais saborosos que o país produziu, o
"Estão Batendo" (Gadé/Valfrido Silva). "Estão batendo / se for
comigo diga que não estou (só
pode ser o cobrador) / é a mulata, que há muito tempo você
abandonou". Na segunda parte,
o sincopado comia solto com
um "estão ba-ra-que-tendo"
que botava paralítico para sambar.
Nos anos 70, Marchezan, aposentado da CESP e um dos frequentadores mais assíduos do
bar do Alemão, na Água Branca, conhecia de cor e salteado todas as músicas e as duas vozes
da dupla. Seu maior sucesso, pelo menos no Alemão, foi o samba "Foi uma Pedra", de Pedro
Caetano, com uma segunda voz
imbatível ("levava jurando / ter
grande afeição por mim / tu foste embora me deixando triste
assim"), gravação de 1940.
Em 1936 a dupla obteve um
sucesso estrondoso com a marchinha "Pierrô Apaixonado", de
Heitor dos Prazeres e Noel Rosa.
Joel testemunhou o nascimento
da canção em uma mesa de bar
e saiu correndo dali para gravar, antes que passassem a música para Francisco Alves, o
grande campeão de vendas da
época. E também seria o grande
sucesso do filme "Alô, Alô Carnaval", de 1936, dirigido por
Ademar Gonzaga, no qual a dupla é acompanhada pelos Diabos do Céu.
Dali por diante, a lista de sucessos foi infindável, marchinhas, como "A Mulher do Padeiro" (J. Piedade/ G. Augusto/
N. Bruno), e uma sucessão de
clássicos do sincopado, como
"Cai, Cai" (Roberto Roberti)
("cai, cai, cai, cai / eu não vou
escorregar"), e outro clássico de
Bucy Moreira com Miguel Barroso, o "eu não pretendo aceitar
/ de modo algum / pois o dinheiro que você me deve, deve, não
precisa pagar / a única coisa que
quero de você são os carinhos
meus / para satisfazer os desejos
meus".
Com o fim do jogo, a dupla
tentou outros ares, indo cantar
com a orquestra do famoso
maestro Simon Boutman na Argentina e no Uruguai. Em 1947
se separaram. Gaúcho abandonou a vida artística e Joel continuou sozinho, colecionando sucessos. "Quem Sabe, Sabe"
("quem sabe, sabe / conhece
bem / como é gostoso / gostar de
alguém"), dele e Carvalhinho, e
"Madureira Chorou" (Carvalhinho / Julio Monteiro) foram
músicas cantadas por todos nos
anos 50 e 60.
Em 1962 voltou a se reencontrar com Gaúcho, lançando um
LP com os maiores sucessos de
sua carreira.
Na era da televisão, até falecer
Joel continuou sendo uma referência, com seu ar de dândi dos
anos 30, a simpatia tipicamente
de carioca do subúrbio, a auto-ironia com a própria magreza.
Um clássico!
Internet: www.dinheirovivo.com.br
E-mail - lnassif@uol.com.br
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