São Paulo, domingo, 02 de dezembro de 2001

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LUÍS NASSIF

O magrinho elétrico

Dentre todos os gêneros da música popular brasileira, nenhum se tornou tão popular quanto as marchinhas de Carnaval, um gênero que começa a se desenvolver nos anos 30, mantém a vitalidade até meados dos anos 60, depois fenece.
Mais do que qualquer outro gênero, a marchinha reflete magistralmente o espírito carioca do período, a malícia, a malandragem simpática, a verve imbatível. Dentre os cantores, nenhum conseguiu encarnar melhor esse espírito do que Joel de Almeida, o "Magrinho Elétrico", rei da marchinha, sambista dos mais inspirados, proveniente de uma família extremamente musical. Seu irmão Janet de Almeida foi um dos criadores do samba sincopado, e falecido antes dos 30 anos.
A estupenda coleção do Senac, de programas de Fernando Faro, preparados pelo produtor José Carlos Botezelli, o Pelão, em sua última edição traz uma síntese do programa de Joel de Almeida, que é para ouvir sem parar.
Joel não foi apenas o cantor de marchinhas, mas um seguidor fiel do samba sincopado inaugurado por Luiz Barbosa, seu grande ídolo. Foi com Barbosa que aprendeu a fazer o ritmo no chapéu de palheta, e tornou-se, por acaso, ritmista de uma gravação histórica, o "Na Pavuna", que praticamente inaugurou o estilo samba urbano no país, e foi a primeira a ter o bumbo na marcação, em gravação de estúdio.
Nascido em Vila Isabel, Joel foi amigo e contemporâneo de Noel Rosa e de toda a chamada geração de ouro da música brasileira. Na época, estavam em voga as duplas masculinas de cantores. A mais famosa, mas de vida breve, foi a de Francisco Alves e Mário Reis interpretando clássicos de Ismael Silva. Na sua cola, surgiu a dupla Jonjoca e Castro Barbosa, quase uma xerocópia autenticada da primeira.
Em 1930, logo após a revolução, chegou ao Rio de Janeiro um soldado gaúcho de farda, violão e voz. Era Francisco de Paulo Rangel. Conheceram-se e surgiu a dupla Joel e Gaúcho, que, ao lado da breve dupla Mário Reis e Francisco Alves, se constituiria no mais famoso duo masculino da história da música brasileira.
Começaram a trabalhar na rádio Phillips do Rio, no programa do Case o grande homem do rádio brasileiro. Seu primeiro sucesso foi em 1935 com um samba sincopado dos mais saborosos que o país produziu, o "Estão Batendo" (Gadé/Valfrido Silva). "Estão batendo / se for comigo diga que não estou (só pode ser o cobrador) / é a mulata, que há muito tempo você abandonou". Na segunda parte, o sincopado comia solto com um "estão ba-ra-que-tendo" que botava paralítico para sambar.
Nos anos 70, Marchezan, aposentado da CESP e um dos frequentadores mais assíduos do bar do Alemão, na Água Branca, conhecia de cor e salteado todas as músicas e as duas vozes da dupla. Seu maior sucesso, pelo menos no Alemão, foi o samba "Foi uma Pedra", de Pedro Caetano, com uma segunda voz imbatível ("levava jurando / ter grande afeição por mim / tu foste embora me deixando triste assim"), gravação de 1940.
Em 1936 a dupla obteve um sucesso estrondoso com a marchinha "Pierrô Apaixonado", de Heitor dos Prazeres e Noel Rosa. Joel testemunhou o nascimento da canção em uma mesa de bar e saiu correndo dali para gravar, antes que passassem a música para Francisco Alves, o grande campeão de vendas da época. E também seria o grande sucesso do filme "Alô, Alô Carnaval", de 1936, dirigido por Ademar Gonzaga, no qual a dupla é acompanhada pelos Diabos do Céu.
Dali por diante, a lista de sucessos foi infindável, marchinhas, como "A Mulher do Padeiro" (J. Piedade/ G. Augusto/ N. Bruno), e uma sucessão de clássicos do sincopado, como "Cai, Cai" (Roberto Roberti) ("cai, cai, cai, cai / eu não vou escorregar"), e outro clássico de Bucy Moreira com Miguel Barroso, o "eu não pretendo aceitar / de modo algum / pois o dinheiro que você me deve, deve, não precisa pagar / a única coisa que quero de você são os carinhos meus / para satisfazer os desejos meus".
Com o fim do jogo, a dupla tentou outros ares, indo cantar com a orquestra do famoso maestro Simon Boutman na Argentina e no Uruguai. Em 1947 se separaram. Gaúcho abandonou a vida artística e Joel continuou sozinho, colecionando sucessos. "Quem Sabe, Sabe" ("quem sabe, sabe / conhece bem / como é gostoso / gostar de alguém"), dele e Carvalhinho, e "Madureira Chorou" (Carvalhinho / Julio Monteiro) foram músicas cantadas por todos nos anos 50 e 60.
Em 1962 voltou a se reencontrar com Gaúcho, lançando um LP com os maiores sucessos de sua carreira.
Na era da televisão, até falecer Joel continuou sendo uma referência, com seu ar de dândi dos anos 30, a simpatia tipicamente de carioca do subúrbio, a auto-ironia com a própria magreza. Um clássico!


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