São Paulo, Quarta-feira, 03 de Fevereiro de 1999
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MUDANÇA NO BC
Empresários apóiam nome de Fraga; indicação não seria possível se a Câmara aprovasse lei da quarentena
Crise do país afasta discussão sobre ética

FREDERICO VASCONCELOS
da Reportagem Local

As manifestações de empresários e consultores, favoráveis à indicação do economista Armínio Fraga para presidente do Banco Central, mostram que prevaleceu -acima das discussões éticas- a expectativa de que o governo supere a crise cambial, tendo à frente do BC um ex-operador do mercado.
"Ética é uma questão pessoal. Pelo que conheço do Armínio Fraga, ele é muito ético. Não vejo problemas", diz o banqueiro Paulo Ferraz, presidente do Bozano, Simonsen.
"Não vejo nenhum inconveniente na indicação de Armínio Fraga", diz o advogado Ives Gandra Martins. "O grande problema, hoje, é saber como o país vai ganhar a queda-de-braço com o mercado, e ele conhece essas técnicas", diz.

Projeto de quarentena
Fraga não poderia assumir a presidência do BC se estivesse em vigor um projeto de lei que prevê a quarentena para ocupantes de cargo de direção no banco.
O projeto, que impede a nomeação de quem tenha trabalhado em empresas do mercado financeiro nos quatro anos anteriores, é de autoria do então senador Itamar Franco (PMDB-MG), atual governador de Minas Gerais.
Sua aprovação, em regime de urgência, foi defendida em novembro último pelo presidente Fernando Henrique, em meio ao tiroteio provocado pelo grampo telefônico no BNDES. O projeto foi aprovado pelo Senado, mas está parado na Câmara desde 1995.
O empresário e deputado Emerson Kapaz (PSDB-SP) diz que "é difícil" defender o nome de Armínio Fraga no Congresso, por causa de sua ligação com o megainvestidor George Soros. "Mas temos de defendê-lo, porque a sua capacidade de operar é fundamental nesta fase de transição muito delicada".
O presidente em exercício da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), Carlos Roberto Liboni, diz que não vê problema ético no fato de Fraga ter trabalhado com Soros. "Ele vai usar a experiência que adquiriu na empresa privada em defesa dos interesses do Brasil", diz Liboni.

Sem restrições
"Estou absolutamente convencido de que o governo está precisando de um especialista que venha da iniciativa privada, depois dos prejuízos causados pelos acadêmicos. E Fraga traz experiência do segmento privado, já tendo trabalhado no BC", diz Gandra Martins.
"Evidentemente, ele deve se desvincular da firma de onde veio, que vai ser mais fiscalizada", diz.
Para o jurista Celso Bandeira de Mello, "não é o presidente do Banco Central quem vai infundir confiança ao mercado". Isso, segundo ele, "caberia ao presidente Fernando Henrique, que cometeu erros tão desastrosos".
"O governo fez bem em trocar Francisco Lopes por Armínio Fraga. Lopes é um homem que sabe planejar, mas não é um operador como Fraga", diz Sérgio Haberfeld, presidente da Associação Brasileira de Embalagens.
"Nesta altura, nós precisamos mesmo de um operador", diz.
Segundo Haberfeld, "uma troca em tão pouco tempo demonstra a instabilidade da economia".
Para Jacks Rabinovich, presidente do conselho de administração do grupo Vicunha, "é cedo para dizer se é bom ou ruim a saída de Francisco Lopes e a entrada de Armínio Fraga".
Segundo ele, "Fraga é uma pessoa de reconhecida competência e muito respeitado. Só que foi uma troca rápida. Fraga deveria, então, ter substituído Gustavo Franco.
Para o ex-ministro Mailson da Nóbrega, a indicação de Fraga, "um economista com grande formação e um grande operador", é vista com "certo alívio".
"O mercado entendia que o BC precisava alterar as políticas de câmbio e juros", diz Mailson.
O problema, segundo ele, é que "o presidente do BC (Lopes) foi, na verdade, desconvidado".
"Acho que essa atitude é inédita, no mundo. A saída de Chico Lopes deve ter ocorrido por motivos sérios, pois ela não se justifica neste momento", diz Mailson.
Quanto à questão da quarentena, o ex-ministro da Fazenda diz que "não há regras no Brasil, mas uma pessoa que sai dessa posição se auto-impõe um prazo de até seis meses para não trabalhar em bancos ou consultorias".
Na Europa, segundo ele, o governo paga dois anos de salário para uma pessoa que sai dessa posição ficar afastado do mercado.

Código de conduta
Ainda está em fase de discussão no governo o "Código de conduta dos titulares de cargos na alta administração federal". Trata-se de uma proposta do Conselho de Reforma do Estado.
O código pretende regulamentar os conflitos de interesse e as limitações às atividades profissionais de quem deixa um cargo público, mas também abriga cuidados a serem tomados pelas autoridades oriundas da iniciativa privada.
O código prevê que, no prazo de 10 dias a contar da posse, a autoridade fornecerá à Comissão Consultiva de Ética Pública uma declaração de sua situação patrimonial, a ser atualizada anualmente.
Entre os "bens controlados" -ou seja, aqueles cujo valor possa ser afetado por decisões ou políticas governamentais-, o código cita "aplicações de renda variável, commodities, futuros e moedas estrangeiras para fins especulativos". (Colaboraram VANESSA ADACHI, SILVANA QUAGLIO, FÁTIMA FERNANDES e ANTONIO CARLOS SEIDL, da Reportagem Local)


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