São Paulo, domingo, 03 de março de 2002

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FINANÇAS

Bancos usaram direito de converter dívida pública em investimento para desviar divisas; esquema pode ter usado "laranja"

PF apura fraude bancária na dívida externa

LÁSZLÓ VARGA
DA REPORTAGEM LOCAL

O Banco Central (BC) virou alvo de uma devassa promovida pela Polícia Federal, destinada a identificar bancos estrangeiros e brasileiros que driblaram a legislação sobre conversão de títulos da dívida externa nos anos 80, enviando ilegalmente recursos ao exterior. A Folha teve acesso a uma lista parcial de 25 bancos investigados, responsáveis por US$ 277 milhões em transações. Lloyds, American Express Bank, Brasilpar e Bankers Trust Company (hoje Deutsche Bank) estão na relação.
As investigações no BC tiveram início em janeiro e estão sob sigilo. O objetivo da Polícia Federal é descobrir os bancos que teriam lesado o país com essas operações e contribuído de modo ilegal para o aumento da dívida externa, que hoje está no patamar de US$ 228 bilhões. A Folha apurou que a determinação no BC é que seus funcionários colaborem com o trabalho da PF.
Os bancos sob investigação podem ter usado empresas "laranja", sem registro na Junta Comercial do Estado de São Paulo, para fazer uma triangulação e reenviar os dólares para o exterior sem permissão do BC.
A Folha apurou, por exemplo, que as companhias COF Chimie do Brasil Participações, Bolsa Empreendimentos Comerciais e Goodman Fieldex do Brasil teriam recebido um total de US$ 135 milhões de bancos como Bankers Trust Company e Lloyds Bank. Mas essas empresas não têm registro na Jucesp.

Estratégia de remessa
A PF acredita que parte dos bancos ou empresas sob investigação utilizaram um artifício muito comum nos anos 80, quando o Brasil entrou em moratória e suspendeu o pagamento de sua dívida externa.
Vários instituições financeiras ou indústrias tinham créditos a receber do Brasil, mas, devido aos problemas de falta de dólares no país, tiveram seus recursos retidos no Banco Central.
A liberação do dinheiro era na base do conta-gotas. O mercado financeiro começou a negociar esses títulos com deságios de até 80% do valor de face. Para evitar a saída de recursos do país, o Banco Central emitiu, em 1984, a carta circular nº 1.125, que garantia o pagamento do valor de face dos títulos, desde que o portador do papel se comprometesse a investir o dinheiro em projetos no Brasil durante 12 anos.
Em 1988, a resolução nº 1.940 aperfeiçoou o esquema. A Folha apurou que a PF já identificou vários casos em que o dinheiro não permaneceu no país pelo prazo de 12 anos. Isso caracterizaria crimes de evasão de divisas e de lavagem de dinheiro. As condenações para esses crimes são de até 20 anos de detenção.
Um dos casos que a PF está investigando é o do banco Paribas (hoje BNP Paribas), que, em 1993, conseguiu a liberação de US$ 20 milhões originários de títulos da dívida externa. Comprometeu-se a construir um hotel no Estado de São Paulo.
O advogado contratado para conseguir a liberação dos dólares foi Marcos David Figueiredo de Oliveira. O dinheiro, ao ser liberado, foi enviado para a empresa Achcar, que ficou responsável pela construção do hotel. Mas Oliveira não recebeu os US$ 2 milhões que reivindicava como honorários. "Cobrei então o dinheiro do Paribas, mas eles propuseram pagar apenas US$ 200 mil."
A partir daí, Oliveira entrou em uma epopéia de ações na Justiça para receber os honorários. Elas sempre foram rejeitadas. "Em 1996, acabei descobrindo que os US$ 20 milhões já haviam voltado para o exterior, pois a IDB Investment Company, uma empresa do paraíso fiscal da Ilha Jersey, declarou ter assumido a empresa que tocaria o projeto hoteleiro". O hotel nunca saiu do papel.
Oliveira pretende processar diversos juízes, acusando-os de incompetência ou descaso para atender suas reivindicações.

Inquérito policial
A PF entrou em 1996 no caso do Paribas, a pedido de Oliveira. Um inquérito policial foi aberto e, em novembro do ano passado, o delegado Protógenes Pinheiro de Queiroz determinou o indiciamento e a quebra do sigilo bancário de três ex-diretores do banco -Alain Charles Bouedo, Marc Richmond Jacques Hartpence e Jean Patrick Rene Marie Toulemonde. O processo judicial corre na 5ª Vara Criminal da Justiça Federal em São Paulo.
Diante dos fortes indícios de evasão de divisas no Paribas, a PF decidiu deflagrar no BC as investigações de todas as operações suspeitas de manejo ilegal de títulos da dívida externa para remessas. Atualmente, a PF aguarda a remessa pelo BC da lista dos bancos envolvidos, que pode ser entregue nas próximas semanas.

BC nega informação
Durante dez dias a Folha procurou o BC para que a instituição se pronunciasse sobre o assunto. O objetivo era obter dados sobre o total de operações de conversão de títulos da dívida externa, principalmente nos anos 80, assim como o número de bancos e empresas envolvidos. Sua assessoria se recusou a fornecer as informações, alegando sigilo.


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