São Paulo, quinta-feira, 03 de março de 2005

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TANGO DA DÍVIDA

Informação de chanceler se antecipa a anúncio oficial; Kirchner, Lula e Chávez querem negociação conjunta com FMI

Argentina vê 80% de adesão à troca de títulos

SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A MONTEVIDÉU

O índice de aceitação da oferta de troca da dívida argentina foi de 80%, segundo afirmou ontem, em Montevidéu (Uruguai), o chanceler argentino, Rafael Bielsa.
O chanceler cometeu uma inconfidência ao mencionar o número, já que o anúncio oficial, pelo ministro da Economia, Roberto Lavagna, será feito hoje.
Bielsa se entusiasmou, quando falava do acordo firmado minutos antes pelos presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva , da Argentina, Néstor Kirchner, e da Venezuela, Hugo Chávez, de buscar uma negociação conjunta de suas dívidas com o FMI (Fundo Monetário Internacional).
"Uma proposta [de reestruturação] condenada por todo o establishment obteve 80% de aceitação. Isso não é um dado indiferente. Não digo em relação à Argentina, mas para o debate sobre se a institucionalidade multilaleral em matéria financeira está ou não em crise. Acho que está."
O chanceler se referiu ao êxito da reestruturação de US$ 81,8 bilhões da dívida pública argentina para argumentar que a saída da moratória com uma "proposta heterodoxa" balizou a "liderança na iniciativa" por parte de Kirchner de "colocar sobre a mesa" o tema do endividamento dos países latino-americanos, disse.
A troca de títulos da dívida vizinha, que estava em moratória desde dezembro de 2001, foi concluída na última sexta-feira.
Antes da reunião mantida com Lula e Chávez, Kirchner afirmou que a Argentina ainda não havia "saído do inferno", mas havia dado "um passo muito importante". Ao comentar a atitude brasileira em relação à renegociação argentina, Bielsa disse que a análise de que "o Brasil se afastou da Argentina é da imprensa". E acrescentou que "a Argentina antagonizou com o FMI, não com o Brasil".
Na saída do encontro, Lula afirmou que "nós agora descobrimos que a solução dos nossos problemas está na boa relação que tivermos entre nós da América do Sul". O comentário de um membro do governo argentino após o encontro é que seu país havia servido de "cobaia" na negociação com o FMI.
Bielsa afirmou ontem que "tecnicamente" a Argentina poderia continuar durante todo o ano de 2005 sem acordo com o FMI, porém pagando seus vencimentos, como ocorre desde o segundo semestre de 2004. A dívida vizinha com o Fundo é de US$ 14 bilhões. No entanto, está previsto para o próximo dia 15 a chegada de uma missão do FMI a Buenos Aires.
O Fundo pediu ao país vizinho "boa-fé" na negociação com os credores, quando a Argentina apresentou o esboço de sua oferta, com um desconto de 75% da dívida. Associações de credores internacionais do país vizinho também protestaram contra a "mesquinhez" da proposta e anunciaram que iriam recusá-la.

Ação conjunta
Além do acordo para "apresentar conjuntamente [na negociação de suas dívidas com organismos multilaterais de crédito] os pontos em que há coincidência", os presidentes dos três países definiram o início de estudos para a unificação de políticas econômicas, sociais e energéticas.
Ficou acertado que os ministros dessas áreas se reunirão dentro de 40 dias, para iniciar estudos de cooperação. Os titulares da área social se encontrarão em Brasília, os da área econômica, em Buenos Aires, e os do setor energético em Caracas (Venezuela). Os demais países do Mercosul também serão convidados. No caso do acordo energético, busca-se sobretudo a incorporação da Bolívia.
"Demos um salto importante em direção à Petrosur", disse Chávez. A Petrosur, que é um projeto do venezuelano, promoveria a unificação das companhias petroleiras da região.
Outro ponto discutido na reunião foi "a possibilidade de que alguns países que tenham divisas excedentes adquiram bônus das dívidas de outros países".
A Venezuela deve enviar uma missão à Argentina para tratar do tema. Segundo Bielsa o Brasil faria o mesmo "em relação a outros países". "Começamos a acreditar em nós mesmos, nas nossas forças, na nossa criatividade, na nossa inteligência, na nossa economia, na nossa indústria", disse Lula. O presidente classificou a reunião como "um marco extraordinário" e disse que "a integração é um fato irreversível".
O chanceler argentino disse que, em relação ao endividamento com o FMI, "o presidente Chávez deu exemplo muito contundente" durante a reunião trilateral. "Há cinco anos, a Venezuela devia US$ 25 bilhões. Ao longo de cinco anos pagou US$ 25 bilhões e hoje deve US$ 24 bilhões."


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