São Paulo, terça-feira, 03 de março de 2009

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BENJAMIN STEINBRUCH

Oportunidades


O mundo será menos desigual se as economias desenvolvidas olharem com generosidade para os países mais pobres

UMA ILUSTRAÇÃO na página da internet da revista "The Economist", na semana passada, mostrava um coelho estático em meio a um "mar" de cenouras, sem saber por onde começar seu banquete. Sobre a ilustração, uma frase: "Mais oportunidades em 2009".
Tratava-se de um anúncio da 109ª Feira de Importação e Exportação da China, o famoso evento semestral de Cantão, que vai se realizar em abril. Ironicamente, a peça publicitária chinesa estava no meio de uma longa reportagem da revista sobre tendência de "desglobalização" da economia mundial.
Uma das características mais marcantes da atual crise é a inversão ideológica que ela provocou. A primeira, sobre a intervenção estatal na economia, que, exorcizada durante décadas, voltou a ser abertamente recomendada, não apenas para investimentos públicos mas também para salvar da falência instituições financeiras e empresas industriais. A segunda, sobre a globalização, tão exaltada como qualidade indispensável, que passou a ser indicador de risco para as grandes companhias.
De fato, pelo menos até agora, os maiores perdedores na atual crise são países cuja economia se mostra mais dependente do comércio global. Alguns países asiáticos conhecidos como plataformas de exportação, por conta de mercado interno minúsculo, só não estão com velas na mão porque conseguiram juntar enormes reservas monetárias durante os tempos de bonança. Cingapura, por exemplo, com exportações anuais que representam 186% de seu PIB, foi fortemente atingida pela queda do comércio exterior no último trimestre do ano passado e sua produção caiu 17%. Taiwan, outra plataforma de exportação (60% do PIB), deve ter uma redução de produção de 11% neste ano. Desempenhos negativos também estão previstos para economias desenvolvidas que são grandes exportadoras de produtos manufaturados, como Alemanha e Japão.
Entre as forças que atuam a favor da desglobalização, está a reação protecionista quase natural de muitos países à crise financeira. Em prejuízo do Brasil, medidas diretas de proteção de mercado já foram tomadas na Rússia, na União Europeia (subsídios), nos EUA ("Buy American") e, principalmente, no grande parceiro comercial do Mercosul, a Argentina. O vizinho do sul adotou na semana passada, por exemplo, uma esdrúxula tarifa de 413% sobre as exportações de talheres brasileiros, além de outras barreiras que incluem processos antidumping contra têxteis e multiprocessadores.
A globalização, porém, mesmo com os evidentes e naturais recuos deste momento de contração da economia mundial, é um caminho sem volta. O mundo está irremediavelmente ligado pelas comunicações on-line e pelas relações econômico-financeiras, comerciais e até pessoais estabelecidas durante as últimas décadas. Não há como convencer as grandes corporações de que elas devem abrir mão da eficiência criada por empreendimentos globais e da liberdade de levar a produção para o lugar em que ela se mostra mais competitiva. Essa, sim, é a verdadeira cenoura que sempre atraiu e continuará a atrair os coelhos globais.
O mundo sairá desta grande crise certamente mais pobre -Jeffrey Sachs estima a perda de riqueza em US$ 25 trilhões. Mas sairá tão conectado quanto antes e, possivelmente, menos desigual se as economias desenvolvidas souberem olhar com generosidade para os países mais pobres. A reunião do G20, daqui a um mês, em Londres, é uma grande oportunidade.


BENJAMIN STEINBRUCH , 55, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

bvictoria@psi.com.br


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