|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
Privatização impopular
PAULO RABELLO DE CASTRO
Mais de 700 mil detentores
de contas do FGTS optaram por adquirir ações da Vale
do Rio Doce no processo de venda
de sobras leiloadas pelo BNDES
no dia 15 de março. Houve rateio
das propostas de compra por causa do excesso de procura em relação ao valor de R$ 1 bilhão do
FGTS liberado pelo governo para
os optantes. Cada candidato a
comprar as ações da Vale vai ficar
com apenas cerca da quarta parte
do que se propunha a adquirir.
Havia muitos compradores, portanto, e havia ações para venda,
mas não havia liberação prévia
de recursos do próprio FGTS na
quantia necessária. Em razão disso, vai ser difícil explicar para
quem aplicou até 50% dos seus
depósitos acumulados no FGTS,
que a sua proposta de compra das
ações "micou".
A venda das ações, considerada
um sucesso absoluto, rendeu R$
4,4 bilhões aos cofres do governo.
Na ótica do governo, premido como sempre pela necessidade de
arrecadar, o resultado não poderia ter sido mais favorável, repartido -como foi- entre as colocações doméstica e internacional,
esta última rendendo-lhe a entrada de recursos em moeda estrangeira.
Mais uma vez, entretanto, ficou
para um plano secundário a ampliação da participação do grande público como detentor de
ações e participante de uma fração do capital de origem estatal
brasileiro. A percepção fleugmática do governo de que "essa ampliação da cota democratizada
do capital se dá aos poucos" é a
que alimenta a noção falsa de sucesso na última venda de Vale,
conforme medida pela quantidade de proponentes à compra, embora acabassem ficando desatendidos por excesso de pedidos!
Não creio que essa seja uma
medida verdadeira de sucesso no
leilão. Mais uma vez, os maiores
compradores das ações da grande
mineradora brasileira foram os
investidores externos, em detrimento da compra por brasileiros
que manifestaram seu interesse.
Do total vendido, mais de 50%
dos investimentos vieram do exterior, enquanto os brasileirinhos
chupavam o dedo na fila de compra por meio do seu FGTS.
Certamente isso não aconteceria nos Estados Unidos ou na Inglaterra. A noção de preferência
nesses países, considerados democráticos e liberais, difere diametralmente da nossa lista de prioridades como país emergente e subordinado aos compromissos financeiros prementes. A venda de
ações da Vale nunca teve como
prioridade ser parte de uma "privatização popular". A cota dos
trabalhadores, cedida nas vendas
de sobras da Petrobras e da Vale,
da carteira do BNDES e do governo, resulta de um trabalho de paciente reivindicação que remonta
aos tempos iniciais da privatização, entre 1991 e 1992. A partir
desse tempo, temos cansativamente tentado demonstrar o interesse em transformar o capital estatal em lastro para os passivos
dos chamados "fundos sociais", o
FGTS em particular. Uma década
depois, e após US$ 100 bilhões em
vendas, surgiu o instrumento do
FMP (Fundo Mútuo da Privatização), por meio do qual foram
vendidas frações da Petrobras e
da Vale, mesmo assim sujeitas
aos estreitos limites postos à disposição pelo governo.
Trata-se de uma espécie de privatização "sem graça", quase impopular, em que se vendem pequenas sobras do que já foi privatizado (Vale) ou frações mínimas
do que não o será (Petrobras).
No entanto a demanda por
ações existe. Em pouco mais de 15
dias, num processo de venda quase sem desconto nem qualquer
propaganda educativa, milhares
de trabalhadores de chão de fábrica aderiram ao uso alternativo
do seu FGTS. Muito mais poderia
ter sido alcançado, se um esforço
programado e antecedente fosse
acertado entre governo e lideranças sindicais. Possivelmente toda
a oferta de Vale seria absorvida
pelos trabalhadores. Contudo
prevaleceu mais uma vez a consideração financeira de não se alterar a estrutura ultrapassada do
FGTS, baseada na remuneração
de 3% ao ano sem liberdade de
aplicação livre pelo trabalhador.
Prevaleceu mais uma vez, também, a preferência ao investidor
externo.
O governo ficou com seu "sucesso" e o trabalhador, com sua frustração. Pagou mas não levou.
Paulo Rabello de Castro, 53, doutor em
economia pela Universidade de Chicago
(EUA), é vice-presidente do Instituto
Atlântico (RJ). Escreve às quartas-feiras,
a cada 15 dias, nesta coluna.
Texto Anterior: Análise: Alta revive medo da recessão Próximo Texto: Imposto de renda: Lucro recebido pelo sócio é isento Índice
|