São Paulo, quinta-feira, 03 de junho de 2004

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LUÍS NASSIF

Petrobras e sua história

Independentemente do nome que se dê, se desenvolvimentismo ou neoliberalismo, não há ideologia que possa deixar de lado a prioridade maior de criar investimentos e empregos no país.
Diferentemente dos Estados Unidos, desde 1988 o país não dispõe de uma política de compras públicas que privilegie empresas nacionais, sem paternalismo. É ferramenta que foi adotada por todos os países desenvolvidos, no seu processo para alcançar o desenvolvimento, e em muitos deles depois que viraram grandes potências.
Por isso mesmo, duas decisões saltam à vista neste momento. Numa ponta, a decisão do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) de negociar com a Embraer aumento do índice de nacionalização, em troca da renovação dos financiamentos ao avião. Fixou-se uma meta de 55%, a ser alcançada em dois anos. Trata-se de típica medida de política industrial, com reflexos positivos sobre investimento e emprego internos, negociada com a empresa e, portanto, não interferindo na lógica do seu negócio.
Na ponta inversa, a política da Petrobras de investir seu enorme excedente de caixa na compra de ativos internos, no setor de gás, com a Liquigás, e em outras áreas.
É um contra-senso. Em períodos anteriores, a Petrobras foi uma notável indutora de modernização industrial no país. Foi decisiva para ajudar a construir uma indústria de base competitiva e aprimorá-la com sucessivos programas de qualidade.
Os recursos que acumulou com os lucros recordes do ano passado teriam que visar investimentos novos, geradores de demanda interna, de capacitação de fornecedores. Em vez disso, surge no noticiário seu interesse em adquirir a Liquigás, uma empresa estrangeira de distribuição de gás.
A primeira contra-indicação é que esse investimento não adicionará nenhum centavo à capacidade industrial brasileira. Meramente haverá uma troca de controle da companhia. A segunda é que provocará redução de empregos, que sempre acompanha processos de compra e reestruturação. A terceira é que significará transferência de dólares para o exterior, em um momento de turbulência no mercado internacional. A quarta é que implicará problemas de competição, já que a Petrobras será, ao mesmo tempo, fornecedora principal de matéria-prima e competidora de seus clientes.
É evidente que não se pode deixar aumentar a concentração no setor de gás liquefeito. Mas essa preocupação pode ser atendida fixando-se regras claras para a entrada de novos agentes.
Há muitas discussões sobre se a Petrobras deve se comportar com a lógica de uma empresa privada ou ser instrumento de políticas de competitividade. Seja qual for a lógica a ser adotada, no campo dos investimentos e das compras públicas, a Petrobras tem que adaptar sua política de investimentos às prioridades do país e tem que voltar a se legitimar como um agente efetivo de desenvolvimento e indutor de industrialização.
Se a própria Embraer foi enquadrada, para aumentar o índice de nacionalização dos seus componentes, a Petrobras tem que retomar seu compromisso histórico com o desenvolvimento nacional.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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