São Paulo, terça-feira, 03 de junho de 2008

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Subsídio é arma de destruição, diz Amorim

Chanceler brasileiro afirma em Roma que o resultado da política de países ricos é a fome no mundo

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A ROMA

Menos de uma hora depois de o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, ter dito ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva que pretendia evitar uma excessiva politização da chamada "Cúpula da Fome", que começa hoje, o chanceler brasileiro Celso Amorim disparou um torpedo na direção dos países ricos.
Amorim chamou os subsídios agrícolas -que são concedidos principalmente por EUA e União Européia- de "armas de destruição em massa, que causam fome no mundo".
A declaração do chanceler é parte da ofensiva brasileira para evitar o que ele próprio chamou de "fantasma", qual seja, a suposição de que os biocombustíveis sejam responsáveis, ainda que parcialmente, pela disparada dos preços de alimentos, hoje o problema principal do planeta.
"O Brasil é parte da solução, não parte do problema", disse Amorim, em alusão ao fato de que o álcool obtido da cana-de-açúcar não toma áreas de produção de comida, não causa desmatamento na Amazônia e não polui como os combustíveis derivados do petróleo.
O presidente Lula repetirá a mensagem no discurso que fará hoje na Conferência de Alto Nível sobre Segurança Alimentar Mundial - Os Desafios da Mudança Climática e da Bioenergia, na capital italiana.
Terá o respaldo da presidente da Argentina, Cristina Fernández de Kirchner, com a qual se reuniu ontem à tarde na embaixada brasileira em Roma.
Após o encontro, o chanceler argentino, Jorge Taiana, atacou os subsídios, como Amorim. Taiana disse que os dois governantes expressaram "grande coincidência sobre a necessidade de atacar os aspectos estruturais" do problema dos preços dos alimentos.
Desenha-se, dessa forma, um conflito no velho estilo Norte-Sul, na medida em que o mundo rico não mostra a menor disposição de enfrentar o problema dos subsídios à agricultura.
Tanto é assim que, apesar da ênfase de Brasil e Argentina, o esboço do documento final é vago a respeito. Limita-se a dizer: "Encorajamos a comunidade internacional a continuar seus esforços para a liberalização do comércio internacional na agricultura por meio da redução de barreiras comerciais, de programas de suporte e outras medidas que têm distorcido os mercados mundiais por tanto tempo".
Parece a reprodução das palavras de Taiana e Amorim, mas, na prática, os países ricos condicionam a liberalização do comércio agrícola a uma liberalização mais ampla da indústria e dos serviços nos países em desenvolvimento. Os biocombustíveis, projeto preferencial do presidente Lula, entram no documento final, ao menos no esboço obtido pela Folha, nem como heróis nem como vilões.
Aliás, todo o trecho a eles referente ainda estava entre colchetes, que é a maneira que os diplomatas encontram para expressar desacordos a serem desfeitos apenas por seus superiores hierárquicos.
Todas as três versões entre colchetes apenas remetem "os desafios colocados pelos biocombustíveis" para "estudos em profundidade" e para "um diálogo internacional". Está longe de ser a revolução energética que Lula neles antevê.


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