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OPINIÃO ECONÔMICA
O real e o imaginário
GESNER OLIVEIRA
O aniversário de dez anos
dá asas à imaginação sobre
aquilo que foi feito ou se deixou
de fazer no Plano Real. Mas uma
coisa é certa: os números comprovam que o Real estabilizou os
preços e desindexou a economia.
O Conselho Monetário Nacional estabeleceu uma meta de inflação de 4,5% para 2006 na
quarta-feira. Essa taxa anual
corresponde a menos da metade
do ritmo em que os preços cresciam em apenas uma semana
antes da introdução da nova
moeda! Negar esse mérito ao
Plano Real corresponde a assistir
a "Pelé Eterno", de Aníbal Massaini, e ainda sair do cinema dizendo que Maradona foi o melhor jogador de futebol do mundo.
O discurso oficial sempre exagera a importância dos planos
econômicos. Como se existisse a
era pré-Real e pós-Real. O Real
teve relativo êxito como programa de estabilização pelas circunstâncias da época. O Real
não foi um passe de mágica, mas
resultado de um processo.
Como lembraram há mais de
uma década os economistas Alesina e Drazen, "estabilizações
bem-sucedidas são normalmente
precedidas de várias tentativas
fracassadas. Freqüentemente
um programa prévio parece similar ao bem-sucedido". No caso
do Real, verificou-se processo cumulativo de aprendizado e incorporação dos ingredientes indispensáveis à estabilização, obtidos a partir de sucessão de fracassos prévios. E não foram poucos: 12 planos em três mandatos
presidenciais, envolvendo sete
ministros da área econômica e
um cardápio que variou do Fundo Monetário Internacional até
o congelamento generalizado de
preços e o confisco da poupança.
Tudo isso e a inflação não cedeu.
O êxito do Real para estabilizar os preços se deveu a três fatores. Em primeiro lugar, aumentou ao longo do tempo a demanda política por estabilidade e diminuiu o apelo do populismo
econômico. Em contraste com o
início da Nova República, o custo da crise de estagflação na passagem da administração Sarney
para o governo Collor chegou a
tal ponto que os benefícios da estabilização passaram a ser vantajosos quando comparados com
os sacrifícios inerentes a qualquer programa antiinflacionário. Tal fato não escapou a parcela crescente da classe política,
hoje um pouco mais sensível à
demanda por moeda estável.
Em segundo lugar, as circunstâncias externas melhoraram, a
despeito das sucessivas frustrações com a estabilização. No plano externo, as condições de liquidez internacional se modificaram significativamente. Em contraste com o período 1979-89, em
que o acesso aos mercados internacionais esteve fechado aos países latino-americanos, a partir
de final dos anos 80 foi possível
obter financiamento externo. Esse fator, por si só, constitui elemento diferenciador crucial para o êxito atual comparativamente ao Plano Cruzado. Na
mesma direção, o país acertou os
termos da renegociação da dívida externa em julho de 1992, nos
moldes do Plano Brady.
Não se subestime, além disso, a
transformação por que passou o
comércio internacional com a
conclusão, em 1994, da Rodada
Uruguai do Gatt, iniciada com a
Declaração de Punta del Este, em
1986, bem como os movimentos
de integração regional, que se
aceleram a partir de meados dos
80. Ainda que em menor medida
do que nas experiências mexicana, espanhola e portuguesa, esse
ambiente fortaleceu a percepção
de que seria inexorável esforço
de convergência macroeconômica com o exterior.
Em terceiro lugar, houve um
aprendizado, desde o final da década de 70, tanto no Brasil quanto em outros países e nos organismos multilaterais, como o Fundo
Monetário Internacional e o
Banco Mundial, até que se aprimorasse o desenho técnico do
programa de estabilização. Assim, os vários fracassos prévios
ao Real não foram totalmente
em vão: os erros cometidos constituíram insumo para a elaboração da atual estratégia de estabilização.
Os críticos do Real procuram
facilitar seu trabalho tomando o
plano e a política econômica desde 1993/94 como sinônimos. No
entanto são coisas muito diferentes. A própria política econômica sofreu guinadas importantes no período em questão. A
principal delas foi a correção de
rumo com a mudança do regime
cambial em 1998/99, depois da
excessiva apreciação cambial de
1994-98. Outros problemas sérios
ainda não foram atacados, como
a resistência à racionalização
dos gastos públicos e a contenção
do descomunal apetite tributário
do Estado.
A exemplo da vitória sobre a
superinflação, a retomada do
crescimento também requer
uma combinação de vários fatores. Um mínimo de estabilidade
de preços obtida a duras penas
na última década é uma condição necessária, mas sabidamente
insuficiente para o Brasil crescer
de forma sustentada mais do que
4% ao ano.
Gesner Oliveira, 47, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br
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