São Paulo, segunda-feira, 03 de julho de 2006

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LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

Juros, câmbio e ajuste fiscal


Economistas convencionais sempre afirmam que "a taxa de juros cairá assim que o ajuste fiscal for realizado"

INDEPENDENTEMENTE de sua orientação, os economistas sabem que juros, câmbio e déficit público são variáveis interdependentes que formam um todo. Existe, entretanto, uma divergência fundamental entre os economistas novo-desenvolvimentistas e os ortodoxo-convencionais que dirigem o Banco Central e o FMI. Para estes, tudo se resolve no nível fiscal. Se o governo lograr um grande ajuste, a taxa de juros cairá e o câmbio voltará a ser competitivo. Para nós, embora o ajuste fiscal deva receber absoluta prioridade em uma estratégia de superação da armadilha de juro alto e câmbio baixo, os dois preços macroeconômicos podem e devem ser administrados independentemente, sendo essa administração outra componente fundamental daquela estratégia.
Atrás das duas posições existe uma diferença teórica. Os economistas ortodoxo-convencionais, além de expressar a posição dos países ricos em relação aos países em desenvolvimento, são economistas neoclássicos para os quais o mercado tudo ajusta quase automaticamente. Os preços, principalmente, são para eles sempre determinados pelo mercado -são, portanto, endógenos. Isso vale para a taxa de câmbio real, sobre a qual eles não hesitam em afirmam que o governo, por meio da política econômica, não tem capacidade de influenciar, e vale também para a própria taxa de juros de curto prazo, que, no caso brasileiro, corresponde à Selic.
Não são tão claros em relação a esse ponto porque existe aí uma contradição: se o principal instrumento de política econômica de que dispõem os bancos centrais é a administração da taxa de juros de curto prazo, como ela não pode ser administrada? O comportamento dos economistas ortodoxo-convencionais, entretanto, não deixa dúvida quanto a considerar essa taxa endógena e, portanto, inadministrável.
Sempre que podem, esquecem a diferença entre a taxa de juros de longo prazo, que de fato é determinada pelo mercado, da taxa de juros de curto prazo ou taxa básica do Banco Central. Segundo, sempre insistem em afirmar que "a taxa de juros cairá assim que o ajuste fiscal for realizado".
Enquanto esse ajuste fiscal "não se realiza", a taxa de juros de curto prazo real continuará estratosfericamente alta como é hoje, e há muitos anos, no Brasil. Não importa para eles todos os esforços que em vários momentos (não no atual) os governos fizeram nessa direção. Ainda que eles nos assegurem, invariavelmente, que "a queda da taxa de juros está na virada da esquina", seu mundo afinal não tem esquinas, e a queda prometida nunca vem. Por quê? "Por que o ajuste fiscal não aconteceu", explicam.
O novo desenvolvimentismo tem por trás uma teoria macroeconômica de base keynesiana. Por isso, acredita que tanto a taxa de juros de curto prazo quanto a taxa de câmbio possam ser administradas. Não de forma livre e arbitrária -é claro que as condicionantes institucionais e as do mercado são relevantes-, mas de forma suficientemente livre para que se possa levar a bom êxito uma estratégia de superação dos altos juros que assolam a economia brasileira desde 1995, como antes assolava a alta inflação.
A estratégia advogada pelo novo desenvolvimentismo para baixar os juros importa uma ação combinada de forte ajuste fiscal, baixa determinada da taxa de juros de curto prazo e administração da taxa de câmbio para que essa volte a um nível competitivo. A simples baixa da taxa de juros já levará ao aumento da taxa de câmbio, mas a depreciação poderá não ser suficiente. Por outro lado, essa estratégia envolverá também reformas institucionais específicas -principalmente a desvinculação da dívida pública da taxa de juros de curto prazo e a desindexação por lei de qualquer contrato em que o Estado brasileiro seja participante.
Os economistas ortodoxo-convencionais são também a favor de reformas institucionais, mas como, afinal, os interesses que representam são favoráveis aos altos juros e ao câmbio baixo, essas reformas são amplas, difusas e, como o ajuste fiscal, consideradas sempre insuficientes... Suficientes são, isso sim, os ganhos dos rentistas e os dos nossos concorrentes no exterior.


LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA, 71, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda, da Reforma do Estado, e da Ciência e Tecnologia, é autor de As Revoluções Utópicas dos Anos 60 (Editora 34). Internet: www.bresserpereira.org.br
bresserpereira@uol.com.br


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