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LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
Juros, câmbio e ajuste fiscal
Economistas convencionais sempre afirmam que "a taxa de juros cairá assim que o ajuste fiscal for realizado"
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INDEPENDENTEMENTE de sua
orientação, os economistas sabem que juros, câmbio e déficit
público são variáveis interdependentes que formam um todo. Existe,
entretanto, uma divergência fundamental entre os economistas novo-desenvolvimentistas e os ortodoxo-convencionais que dirigem o Banco
Central e o FMI. Para estes, tudo se
resolve no nível fiscal. Se o governo
lograr um grande ajuste, a taxa de juros cairá e o câmbio voltará a ser
competitivo. Para nós, embora o
ajuste fiscal deva receber absoluta
prioridade em uma estratégia de superação da armadilha de juro alto e
câmbio baixo, os dois preços macroeconômicos podem e devem ser
administrados independentemente, sendo essa administração outra
componente fundamental daquela
estratégia.
Atrás das duas posições existe
uma diferença teórica. Os economistas ortodoxo-convencionais,
além de expressar a posição dos países ricos em relação aos países em
desenvolvimento, são economistas
neoclássicos para os quais o mercado tudo ajusta quase automaticamente. Os preços, principalmente,
são para eles sempre determinados
pelo mercado -são, portanto, endógenos. Isso vale para a taxa de câmbio real, sobre a qual eles não hesitam em afirmam que o governo, por
meio da política econômica, não tem
capacidade de influenciar, e vale
também para a própria taxa de juros
de curto prazo, que, no caso brasileiro, corresponde à Selic.
Não são tão claros em relação a esse ponto porque existe aí uma contradição: se o principal instrumento
de política econômica de que dispõem os bancos centrais é a administração da taxa de juros de curto
prazo, como ela não pode ser administrada? O comportamento dos
economistas ortodoxo-convencionais, entretanto, não deixa dúvida
quanto a considerar essa taxa endógena e, portanto, inadministrável.
Sempre que podem, esquecem a diferença entre a taxa de juros de longo prazo, que de fato é determinada
pelo mercado, da taxa de juros de
curto prazo ou taxa básica do Banco
Central. Segundo, sempre insistem
em afirmar que "a taxa de juros cairá
assim que o ajuste fiscal for realizado".
Enquanto esse ajuste fiscal "não
se realiza", a taxa de juros de curto
prazo real continuará estratosfericamente alta como é hoje, e há muitos anos, no Brasil. Não importa para eles todos os esforços que em vários momentos (não no atual) os governos fizeram nessa direção. Ainda
que eles nos assegurem, invariavelmente, que "a queda da taxa de juros
está na virada da esquina", seu mundo afinal não tem esquinas, e a queda prometida nunca vem. Por quê?
"Por que o ajuste fiscal não aconteceu", explicam.
O novo desenvolvimentismo tem
por trás uma teoria macroeconômica de base keynesiana. Por isso,
acredita que tanto a taxa de juros de
curto prazo quanto a taxa de câmbio
possam ser administradas. Não de
forma livre e arbitrária -é claro que
as condicionantes institucionais e as
do mercado são relevantes-, mas de
forma suficientemente livre para
que se possa levar a bom êxito uma
estratégia de superação dos altos juros que assolam a economia brasileira desde 1995, como antes assolava a alta inflação.
A estratégia advogada pelo novo
desenvolvimentismo para baixar os
juros importa uma ação combinada
de forte ajuste fiscal, baixa determinada da taxa de juros de curto prazo
e administração da taxa de câmbio
para que essa volte a um nível competitivo. A simples baixa da taxa de
juros já levará ao aumento da taxa de
câmbio, mas a depreciação poderá
não ser suficiente. Por outro lado,
essa estratégia envolverá também
reformas institucionais específicas
-principalmente a desvinculação
da dívida pública da taxa de juros de
curto prazo e a desindexação por lei
de qualquer contrato em que o Estado brasileiro seja participante.
Os economistas ortodoxo-convencionais são também a favor de
reformas institucionais, mas como,
afinal, os interesses que representam são favoráveis aos altos juros e
ao câmbio baixo, essas reformas são
amplas, difusas e, como o ajuste fiscal, consideradas sempre insuficientes... Suficientes são, isso sim, os ganhos dos rentistas e os dos nossos
concorrentes no exterior.
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA, 71, professor emérito
da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda, da
Reforma do Estado, e da Ciência e Tecnologia, é autor de As
Revoluções Utópicas dos Anos 60 (Editora 34). Internet:
www.bresserpereira.org.br
bresserpereira@uol.com.br
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