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São Paulo, domingo, 03 de agosto de 2003

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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS

Capitalismo moderno

LUIZ GONZAGA BELLUZZO

O economista inglês J. A. Hobson, em seu livro clássico, "Modern Capitalism", cuja primeira edição é do final do século passado, desenhou, de forma pioneira, os contornos teóricos do assim chamado capitalismo da grande empresa, dos bancos e da predominância do cálculo financeiro sobre a estratégia produtiva. É impressionante a sua atualidade.
Na visão de Hobson, a forma "moderna" assumida pelo capitalismo foi desenvolvida a partir das modificações ocorridas na economia americana, na virada do século 19 para o 20. Os resultados das transformações observadas bem merecem a qualificação de "capitalismo moderno", sobretudo no sentido de que o surgimento e o desenvolvimento da grande corporação americana se constituem no embrião nacional do desdobramento transnacional do grande capital.
Hobson, da mesma maneira que Hilferding fez para a Alemanha, acentuou corretamente o papel do capital financeiro para explicar o surgimento da grande empresa americana e o caráter de sua hegemonia futura. As mudanças radicais operadas na organização industrial da grande empresa vão acompanhar o aparecimento de uma "classe financeira". Isso significa que as estratégias empresariais passaram a depender fundamentalmente das avaliações dos que operam a máquina monetária das sociedades industriais desenvolvidas, isto é, dos grandes bancos.
Assim, diz Hobson, "a reforma da estrutura empresarial à base do capital cooperativo, mobilizado a partir de inúmeras fontes privadas e amalgamado em grandes massas, é utilizada em favor da indústria lucrativa por diretores competentes das grandes corporações". Como se vê, Hobson coloca o acento na "classe financeira" na condição de comandante estratégica da grande empresa.
Na verdade, o que distingue essa forma de capital financeiro das que a precederam historicamente é o caráter universal e permanente dos processos especulativos e de criação contábil de capital fictício. A natureza intrinsecamente especulativa da gestão empresarial traduz-se, nessa modalidade de "capitalismo moderno", pela importância crescente das práticas destinadas a ampliar o valor do capital existente mediante técnicas de alavancagem e, no limite, expedientes pouco recomendáveis de "esquentamento de preços", como ficou demonstrado à saciedade no período recente. Vide as privatizações brasileiras.
A estimativa real do valor dos ativos é calculada a partir de sua capacidade de ganhos. Se os ativos tangíveis podem ser avaliados pelo seu custo de produção ou reposição, aqueles de natureza não-tangível só podem sê-lo através de sua capacidade líquida de ganho. Esta, por sua vez, só pode ser estimada como o valor capitalizado da totalidade dos rendimentos futuros esperados menos o custo de reposição dos ativos tangíveis.
Aqui reside a elasticidade do capital, comumente utilizada pela "classe financeira" para ampliar a capitalização para além dos limites da capacidade "real" de valorização. Dessa forma, a capacidade putativa de ganho de uma grande companhia, independentemente de como seja financiada, repousa fundamentalmente no controle dos mercados e na força de suas armas de concorrência e é, portanto, mesmo amparada em métodos avançados de produção, altamente especulativa em seu valor presente.
Entre as práticas de valorização fictícia incluem-se tanto as que são executadas nos mercados de capitais como as exercidas mediante a manipulação de preços dos ativos a serem submetidos ao controle das diversas frações do capital monopolista. Por isso os modelos de avaliação tentam dar a aparência de rigor ao que, na verdade, é subjetividade e arbítrio.
O conjunto da economia monopolista só pode avançar com o alargamento do crédito. Hobson fala do duplo papel desempenhado pelos bancos no financiamento das grandes companhias: primeiramente como promotores e subscritores (e frequentemente como possuidores de grandes lotes de ações não absorvidas pelo mercado) e, em segundo lugar, como comerciantes de dinheiro descontando títulos e adiantando liquidez. Torna-se evidente que a dominação da indústria capitalista é exercida fundamentalmente pelos bancos. E, à medida que o crédito vai se tornando a força vital dos negócios modernos, a classe que controla o crédito se vai tornando cada vez mais poderosa, tomando para si como seus lucros uma proporção cada vez maior do produto da indústria.
O sistema financeiro e de crédito é, portanto, a pedra angular da moderna economia capitalista em dois sentidos fundamentais: 1) adianta recursos livres e líquidos, para sancionar a aposta do empresário que resolveu gastar, colocando o seu estoque de capital em operação e contratando trabalhadores; 2) promove diariamente a avaliação e a negociação dos títulos de propriedade e de dívida que conferem direito à apropriação da renda e à transferência da riqueza.


Luiz Gonzaga Belluzzo, 60, é professor titular de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).

Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo da economista Maria da Conceição Tavares.


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