São Paulo, terça-feira, 03 de agosto de 2004

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ANÁLISE

Acordo em Genebra é marco importante

DO "FINANCIAL TIMES"

O acordo do fim de semana quanto à moldura para a negociação da Rodada Doha de liberalização comercial representa um avanço modesto e tardio na longa jornada rumo a mercados mundiais mais livres. Mesmo assim, é um marco importante porque representa um importante voto de confiança na OMC (Organização Mundial do Comércio) e em um sistema multilateral regido por regras consensuais.
Depois do colapso das reuniões da OMC em Seattle e em Cancún, um novo fiasco teria sido fatal para a organização e para os princípios de transparência e de combate à discriminação que ela representa. No mínimo, teria suscitado sérias dúvidas quanto à relevância da OMC como fórum de administração das relações internacionais por meio de negociação, e não do confronto e da força bruta.
Nesse sentido, as negociações em Genebra estavam condenadas ao sucesso. Até mesmo os governos que terminaram por se desencantar com os procedimentos demorados e trabalhosos da OMC decidiram engolir suas ressalvas e tentar mais uma vez.
Se a culpa pelos problemas em Cancún e em Seattle foi responsabilidade de muitos, o mesmo se aplica ao crédito pelo desfecho em Genebra. Os EUA demonstraram liderança antes do encontro e em todo o seu desenrolar. A União Européia se manteve firme diante da obstrução francesa, enquanto o G20 reforçou sua aspiração a uma posição de influência, mas de influência positiva.
O mais encorajador é que os países mais pobres exibiram pela primeira vez compreensão quanto à maneira pela qual o jogo da OMC é -ou deveria ser- jogado. Abandonando as poses políticas vazias que precipitaram o colapso em Cancún, eles partiram para um processo árduo, realista e produtivo de barganha.
A maior realização das negociações foi confirmar o compromisso da UE com a eliminação de seus subsídios à exportação de bens agrícolas, que distorcem seriamente o comércio, e o estabelecimento de uma base para reduções posteriores nos inchados orçamentos de apoio à agricultura dos países ricos. Contestações em curso ao regime da UE quanto ao açúcar e à política americana de apoio ao algodão devem servir para manter a pressão pelo cumprimento dessas promessas.
Outros aspectos do acordo, como as cláusulas ainda mal definidas de corte das tarifas de importação de bens agrícolas e as que se referem à liberalização do comércio de bens e serviços industriais, foram mais decepcionantes. É preciso realizar muito mais se esperamos uma conclusão bem-sucedida para a Rodada Doha.
Mas o acordo serviu para estabelecer uma base a partir da qual as negociações poderão ser retomadas após as eleições nos EUA. Serviu ainda para calar os pessimistas, que alegam que o progresso é impossível em uma organização de 147 membros com níveis extremamente díspares de desenvolvimento econômico e participação do comércio mundial.
O desafio, agora, é avançar com base nessas realizações. Será uma tarefa longa e árdua e, sem dúvida, ainda surgirão muitos reveses a superar. Mas a mensagem reconfortante de Genebra é a de que os governos agora compreendem melhor os motivos pelos quais superar os obstáculos serve ao interesse de todos.


Tradução de Paulo Migliacci

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