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LUÍS NASSIF
O neoliberalismo dissecado
Em julho de 1994, o país
havia conseguido afastar
seus dois piores fantasmas: a
crise externa e a crise fiscal. A
abertura de 1990 vinha sendo
conduzida gradativamente,
ajudando as empresas a se preparar para a globalização.
De repente, tudo isso foi por
água abaixo. Na mudança do
Real, para conseguir garantia
máxima de estabilidade, o câmbio foi valorizado em 15%, abriram-se comportas para importação indiscriminada. Em poucos meses superávits comerciais
viraram fumaça e o déficit em
conta corrente passou a ser coberto por capital especulativo,
atrás das mais altas taxas de juros reais da história.
Esse movimento não resultou
em aumento do investimento,
provocou piora mês a mês nos
fundamentos macroeconômicos, quebrou a economia externa e internamente, setor público e privado, desnacionalizou
setores expressivos da economia, desviou o foco das atenções
do governo de qualquer medida
de cunho operacional.
Diagnóstico
O melhor diagnóstico que li
sobre essa marcha da insensatez é um pequeno livro de bolso
(144 páginas) de 1998, "A Escola
do Rio, As Origens Ideológicas
do Plano Real" , de André
Araújo (editora Alfa Omega),
sobre o Departamento de Economia da PUC do Rio de Janeiro, especialmente as 60 primeiras páginas.
Não se trata de obra conspiratória, embora se possa sentir falta da crítica ao esgotamento do
velho momento intervencionista e a não-menção ao projeto da
Integração Competitiva, proposta pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), a partir dos estudos do economista Júlio Mourão, em 1985, pelo qual a abertura controlada da economia
seria uma peça estratégica para
instituir a competição, induzir
as empresas brasileiras a buscar
a inserção internacional, acordos de tecnologia etc., processo
iniciado em 1990 e abortado em
1994.
Quanto ao jogo ideológico do
mercado financeiro, o livro consegue uma síntese admirável.
Começa por historiar as raízes
do neoliberalismo, que surge
com Hayek, tem seu momento
alto no conservadorismo responsável de Margaret Thatcher
e, depois, resulta na irresponsabilidade dos "reagnomics" -a
política econômica de Ronald
Reagan, que lega enorme dívida pública ao país-e na apropriação ideológica do modelo
pela escola de Chicago.
Simultaneamente, ocorre
uma mudança no modelo econômico americano. O país desiste de competir em produtos
tradicionais, passando a se concentrar em produtos de alta tecnologia, especialmente na área
de serviços financeiros. Araújo
vê a teoria econômica apenas
como legitimadora e facilitadora de processos de hegemonia
econômica, e não como indutora desse. Primeiro o modelo ganha forma. A teoria vem depois,
operando como gazua ideológica, facilitando a expansão do
novo poder hegemônico.
Exigências do capital
A expansão do capital financeiro exige estabilidade das
moedas, livre trânsito nas economias nacionais e oportunidades para investimento. Esse processo pressupõe combate sem
quartel à inflação, crença na
oferta infinita de recursos internacionais (importante para induzir governos nacionais a endividamentos temerários), abolição de qualquer forma de controle sobre o capital, todo o esforço na obtenção de superávit
fiscal (para garantir o pagamento da dívida), privatização
ampla e irrestrita (criando
oportunidades de negócios) e
fim do Estado social.
Algumas dessas posições são
defensáveis em si. O que a ideologia de mercado faz, no entanto, é concentrar toda a ênfase
apenas nos aspectos que interessam ao capital financeiro. Essa
ideologia não se propaga pela
União Européia, que a compara
a um livre cambismo anacrônico com roupagem nova. Mas
encontra eco amplo nos países
em desenvolvimento, graças aos
economistas locais.
Sua cooptação se dá por meio
das bolsas de pós-graduação
para universidades estrangeiras, para uma formação calcada exclusivamente nos modelos
macroeconômicos, sem conhecimento do mundo real, dos
processos de desenvolvimento,
dos fatores sociais e políticos essenciais para a construção de
uma nação. Além disso, é no
mercado financeiro que se
abrem as melhores oportunidades profissionais.
Mas o que teria levado a essa
unanimidade extraordinariamente medíocre em torno de sofismas é o chamado "efeito-demonstração" -de o grupo se
apegar a determinadas idéias,
por ser de bom-tom, significar
sinal de modernidade, de internacionalismo.
Pode parecer interpretação
primária do autor, mas não é.
Foi justamente isso que sedimentou a notável ausência de
espírito crítico do período.
Internet: www.dinheirovivo.com.br
E-mail: lnassif@uol.com.br
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